quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Pro Seu Bispo do Rosário

Fazer da vida a lida em toda fé
Da manhã horizonte pra tudo que é meu
Com limites lá pras bandas do infinito
Ter no sonho alimento e pé pra alma
O desejo que fere, confere e não se abala
A certeza da força incerta que se tem que ter
A respiração que só existe enquanto eu ser

Das paisagens do concreto ver o certo detalhe que não há
Do escuro do teto ter céu com pontos pra brilhar
Do que conta-me o mundo ir fundo e sentir pra além de mim
Me fazer existente em frente uma ausência que não tem fim

Dos meus medos, segredos carrego na vida com peso
Das lembranças não rio, do frio que aquieta, corrente de ar preso
Cadeado inválido que solta e demarca o que é livre
Mãos geladas, peitos impuros, olhos cegos, corações que fingem

Brilhe
Comova, envolva, resgate o outro por você
Devolva a fé, a verdade, a coragem de querer
Liberte-se, eleve-se e leve-se pro seu devido lugar.


terça-feira, 26 de novembro de 2013

Sendo-me

Ultimamente não consigo ser tanto, nem tão pouco.
Não me bastam outros olhos sem outros ouvidos.
Não me basta outro sorriso sem outro coração.
Caminho lentamente olhando ao redor em busca de um igual que seja tão diferente dos outros quanto eu.
Não me bastam as teorias de bom e de mau.
Não me servem de exemplo os caminhos dos queridos ou dos esquecidos.
Procuro novas estradas pois as que me dão são tão pisadas e tão batidas que levantam pó ao invés de paz.
Capturo um pouco daqui, um pouco dali e muito do nada que enfio na bolsa pra sempre ter espaço.
Me enfio nos buracos mais estranhos, me pergunto, me respondo, me enfeito, me desrespeito, me apaixono e me desapego de mim todos os dias.
Carrego o meu medo sem peso e sem forma, que serve de escudo à toda certeza, a todo conceito, a qualquer ponto final.
Trituro meus fatos, jogo o farelo pro alto e de braços abertos me deixo cair pra ser um pouco do que já era.
Paro de falar, controlo-me pra ouvir.
Guardo as exposições pra só por pra fora o que vier de dentro.
Transformo cada massa que me compõe em parte do que quero ser.
Sem petrificar.
Não me condeno à agradar, não me moldo às formas.
Me dei a liberdade de ser qualquer coisa, que seja boa ou ruim, mas que seja.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Reflexões sobre o racismo velado


Atualmente vivemos em uma sociedade ainda moralista. Esse moralismo tomou formas diferentes ao longo dos anos o que nos possibilitou experimentar o racismo velado.
Com a criação de leis que criminalizaram o racismo, ou seja, a discriminação do indivíduo em função de sua etnia, foram se estabelecendo outros caminhos e formas de reprodução das idéias racistas. Após a abolição da escravidão, como todos já sabem, os negros estavam livres, mas não tinham acesso às mesmas oportunidades que brancos, nem mesmo que os brancos pobres. A idéia de que negros tinham uma gama pré-definida de tarefas nas quais eram aceitos e necessários ajudou a condicionar o papel do negro na sociedade. Desde esse período então, reproduziam-se valores e conceitos sobre o negro que não se extinguiram com a Lei Áurea.

Quando falo de racismo velado, refiro-me a reprodução de idéias racistas não proclamadas e em geral travestidas por uma série de outras justificativas. Falo também me referindo a ações e pensamentos da sociedade praticados sem que necessariamente seus indivíduos tenham a clara intenção de discriminação. O racismo velado pode constituir-se então por um conjunto de atitudes, pensamentos e situações que discriminem o indivíduo (no caso referido o negro) sem a necessidade de agressão física ou verbal direta.

Trato aqui da situação atual do negro no Brasil, embora seja de fundamental importância conhecer o processo histórico, desde a diáspora para nos situarmos com clareza em qualquer discussão que aborde a temática étnica. O objeto dessa análise, porém é o movimento de negação do racismo e das desigualdades que envolvem a situação do negro no país.

Nos últimos tempos pude verificar um grande fluxo de alegações que remetem à inexistência da desigualdade entre negros e brancos. Esse fato pode ser entendido como parte do processo do racismo velado, que tem como característica também a descaracterização do indivíduo oprimido, uma vez que quando esse não de identifica com um grupo em particular não consegue identificar as agressões direcionadas a ele.

Lado a lado com a negação das desigualdades está a acusação de uma segregação proposta pelo negro. Nesse sentido é necessário analisar dois pontos principais: o ideal da igualdade como escolha do oprimido e a idéia da necessidade de superação do período de escravidão. O primeiro ponto consiste na reprodução do pensamento de que cabe ao negro não se colocar em condição desigual, formando uma crítica a todo e qualquer movimento de caracterização negra com o intuito de luta por melhorias para seus indivíduos. Essa corrente de pensamento propõe que ao criar movimentos específicos o negro está se "auto-segregando" e conseqüentemente discriminando outras etnias. Porém é necessário avaliar a seguinte questão: como indivíduos oprimidos podem superar a opressão sem identificarem-se, reunirem-se e manifestarem-se contra ela diretamente? O pensamento citado propõe que não haja a união do grupo oprimido e que este mesmo grupo se dissipe, desconsiderando a opressão que os identifica em prol de uma benesse ao opressor que é negada pelo próprio opressor. O segundo ponto citado refere-se à superação dos traumas do período da escravidão. Esse pensamento reforça a idéia da discriminação como algo passado, que não deve ser revivido e deve ser mantido apenas como fato histórico. Defende também que não devem ser feitas "cobranças" por atitudes que não foram tomadas pela sociedade atual. Essa linha de pensamento contribui para a mistificação do racismo, classificando-o na linha histórica. Ora, se não fosse todo o processo de escravidão com suas "justificativas" e práticas não haveria os condicionamentos sociais existentes. E então cabe outro questionamento: Como é possível analisar um fenômeno social sem analisar e compreender suas raízes históricas. Creio que qualquer estudioso de qualquer ciência humana dirá que esta é uma tarefa impossível.

Retomemos então a análise da descaracterização do indivíduo como outro pilar do racismo velado. O processo de descaracterização tem diversas faces sendo uma das mais comuns a apropriação da identidade cultural. Atualmente as manifestações culturais negras tonaram-se um valioso produto nacional. Num mundo onde a globalização ajuda para tornar comuns gostos e práticas, atividades características passam a ser grande atrativo internacional. Houve então o processo de valorização da cultura de origem negra. Porém junto a esse processo emergiu uma desapropriação da herança cultural. Ou seja, as manifestações culturais vão tornando-se meramente ilustrativas e perdem seu caráter de identificação étnica e seu cunho de reivindicação ou protesto. Pode-se verificar então mais uma forma de desvincular o indivíduo do grupo, que causa a não identificação sócio-cultural e culmina na não evidenciação da opressão direcionada. Outro aspecto importante da descaracterização é a negação da diversidade, onde qualquer proposta de valorização da mesma é entendida como movimento de "auto-segregação". Diante dessa perspectiva é preciso diferenciar diversidade de desigualdade. A diversidade sempre estará presente partindo do princípio de que biologica e psicologicamente nenhum indivíduo pode ser igual. A desigualdade está no fato do indivíduo não ter acesso a oportunidades devido a essa diversidade. A linha de pensamento que propõe a negação da diversidade impele a concepção de que qualquer diferença étnica seria meramente ocasional e sem importância social, contribuindo para a idéia de negação das desigualdades e naturalização das mesmas.

Pode se concluir então que o racismo velado tem suas bases na reprodução de pensamentos naturalizados pela sociedade ao longo de um grande período histórico, reforçados e legitimados por esforços de negação do mesmo. O moralismo citado no início do texto tem papel fundamental nesse processo, pois gerou a "demanda" desse tipo de prática. Vivemos numa sociedade onde não é permitido se assumir como racista, mas também onde contraditoriamente lutar conta o racismo não é bem visto e considerado desnecessário.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Por demais....

"Você se cobra demais." Toda hora alguém fala isso. E toda hora acreditamos nisso.
E na verdade ouvir essa frase é muitas vezes um alívio, uma permissão para diminuir o ritmo.
Dizem que o ser humano só consegue desenvolver cerca de 10% das suas potencialidades. Então, se mesmo com a cobrança só conseguimos isso, o que seria o "demais"?
Como saber a hora de parar se nunca saberemos onde podemos chegar?
Por que parar se sabemos que ainda não chegamos?
Pessoas insatisfeitas buscam. Pessoas insatisfeitas são diferentes de pessoas não satisfeitas. Pessoas insatisfeitas buscam a satisfação, ao invés de se conformar com a falta dela.
O "demais" pode ser simplesmente um degrau acima do pouquíssimo que é aceitável. O "demais" pode ser uma oportunidade de chegar perto, mais longe que a grande maioria.
Me pergunto se não há uma conspiração contra o atingimento de degraus mais altos. Uma motivação coletiva inconsciente de tolirmos uns aos outros para que continuemos a caminhar nos mesmo espaços. Sim, pois o "demais" pode proporcionar para uns nada além do que é trivial para outros. Em exemplo: um jovem que trabalhe de dia, estude de noite e compre apenas comida para juntar dinheiro pode vir a ser um grande empresário, assim como o filho de um magnata. Nossa. O "demais" pode ser simplesmente um nivelador. E se é pra chegar no mesmo lugar não além, não é nem mais.
Grandes coachings são conhecidos pela cobrança, seriedade, frieza, geralmente por "pegarem pesado". E geralmente seus aprendizes são os melhores.
Começo a achar que o mundo apenas finge que pega pesado conosco. Sim, em alguns casos finge muitíssimo bem. Mas ao mesmo tempo que finge, dissemina frases no vento: "você fez seu melhor", "não se cobre tanto assim", "você já é um vencedor", "o importante é competir".
Longe de mim incitar a competitividade desenfreada, a culpabilização dos indivíduos e muito menos reforçar as teses liberalistas.
Falo de coisas de dentro. De nós para nós mesmos. Não há um padrão pro "demais", nem para o lugar pra onde ele pode levar.
Acredito sinceramente que seja injusto pararmos sem chegar e mais injusto ainda seja induzirmos alguém a parar com a falsa idéia de que já chegou. Não digo que iremos chegar. Mas penso que tentar é fundamental. Tentar é o que move, tentar é o que renova.

domingo, 10 de novembro de 2013

O homem que não sorria


Era uma vez um homem que não sorria pois tinha medo de não deixar os olhos bem abertos. Ele foi chamado de infeliz. Tinham pena dele, achavam-no triste, um coitado. Pensavam que ele não se divertia, não aproveitava, não vivia. De quando em quando o rechaçavam, o excluíam. Ninguém queria por perto alguém indiferente, alguém que não demonstrava alegria nem aprovação. Não tiravam fotos com ele e depois de um tempo, nem muito lhe olhavam.
Um dia, um dos poucos amigos lhe perguntou em uma visita a sua casa: “O que te fez infeliz ao ponto de nunca sorrir?”. Ele pensou. Olhou o amigo nos olhos e disse: “Eu sou feliz.”. O amigo não insistiu, já havia se acostumado há anos com ele, que embora triste, sempre tinha boas palavras, bons ouvidos e bons vinhos. Passaram-se anos e ele os viveu. Sem sorrir e de olhos bem abertos. Olhava nos olhos de quem o ignorava, ouvia com paciência quem o criticava, aconselhava quem o procurava. Via todos, via tudo e essa era sua fixação. No fim da vida acumulou à sua volta um número seleto de pessoas, mas que sem exceção gostavam dele. Mesmo sem terem recebido dele um único sorriso. Essas pessoas sentiam-se amadas por ele, acolhidas por ele, cuidadas e protegidas por ele. Mas não sabiam bem o porquê. Não acumulou dinheiro, na verdade não tinha muito tempo para pensar nessas amenidades. Escreveu coisas. Muitas coisas. Umas que foram lidas e outras que ninguém imagina. Uma delas foi especialmente lida por seu amigo, o mesmo que em ocasião já citada o questionava sobre a infelicidade.
O amigo um dia chegou ao portão e viu que não estava trancado. Passou o pequeno quintal e viu que não havia água nas plantas, chegou a porta da sala e percebeu que também estava aberta. Pressentiu o que tinha acontecido, mas não o que ia ver. A casa arrumada, coisas de eletricidade desligadas. Dentro do quarto, na cama, bem acomodado em seus travesseiros e lençóis o amigo sorria de olhos cerrados. E foi assim a primeira vez que todos o viram sorrir: em seu velório. E em meio a lágrimas e soluços sorriam por seu sorriso. Nesse momento o amigo leu aquela coisa escrita por ele: uma carta onde contava pela primeira vez o que sentia sobre sorrir. E foram docemente amargas suas palavras:

“Tanto me cobraram sorrisos que resolvi falar deles. Confundo-me com tantos sorrisos. Que não sei se são vazio, ou cheios de confusões. Que não sei se são de graça ou desgraça. Que não sei se são de consciência, ou de inconscientes. Que não sei se são necessários. E por não saber, não os faço. E também não os faço pois me irrita como me fecham as vistas. Podem dizer que isto é cisma. Mas estou certo de que vi muito mais coisas do que muita gente. E se biologicamente somos iguais, ignorando as com problema de vista, não vejo outro fator que cause isso, a não ser os sorrisos. E mais grave que isso é que vendo bem, eu pude notar que grande parte dos sorrisos são sem vontade, sem alegria e sem razão. Ou seja, esses loucos cerram os olhos negligentemente, só por convenção. E também, ao me ver feliz, entendi que o sorriso é figura, representação, satisfação ao outro. E decidi não fazer relatório da minha felicidade. Sim, pois confesso ser absurdamente feliz. Tenho amigos, tive saúde, sei muitas histórias, comi boas comidas, enfim, sou feliz. Então confesso-lhes algo que não acreditarão: sorrio. Mas sorrio ao deitar para dormir, pois aí o escuro do quarto já não mais me atrai, não corro o risco de perder visões. Ao contrário, sorrio ao deitar, exatamente para ajudar-me a cerrar os olhos e poder encontrar outra vez minhas alegrias mantendo seus motivos por perto, até o novo amanhecer.”

Os que estavam no velório depois da carta não sorriram, nem choraram. Pelo menos naquele dia fizeram questão de manter os olhos bem abertos.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O guardião das verdades



Essa é uma daquelas histórias que poderia começar com o famoso “era uma vez”. Mas como tudo que era acabou, não posso usar o termo, pois essa é uma história que não teve fim.
Todos os dias o via passar, tinha medo dele. Mal vestido, mal cheiroso, murmurando coisas que não podíamos entender. Não, não parecia mesmo gente. Parecia algo que tinha sobrado de alguém que ninguém poderia mais identificar quem era. O homem era negro, de um tom de pele que reluzia de tão escuro e contrastava com o preto desbotado de suas roupas. Tinha um chapéu estranho, que devia ter sido grande e chamativo um dia, mas que hoje era deformado, com as abas caídas que só serviam mesmo pra esconder parte daquele semblante estranho.
As pessoas que o viam na rua o ignoravam. Aliás, não o viam. E eu, não entendia como ninguém via aquela figura nada discreta. Desculpem-me, não posso mentir. Viam-no sim. Quando ele parava em alguma porta pra pedir comida. Geralmente lhe davam. E assim, o tempo passou e me acostumei com ele. E o maior inimigo do medo é o costume. Passei então a observá-lo nos detalhes. Os chinelos rasgados, os pés mais negros que todo o resto do corpo, o olho cego. Reparei também no saco que carregava, uma trouxa dessas de pano, como a dos retirantes da televisão. Ele defendia aquela trouxa de pano, não largava dela para comer e a levava para todos os cantos.
O homem andava por toda redondeza do bairro, em todas as direções, sem parada certa. Segui-o por duas ou três vezes, mas parei no meio do caminho, pois não chegava a lugar nenhum. Certo dia ele estava parado embaixo de uma árvore, descansando sob a sombra, bebendo água em uma garrafinha que alguém, sensibilizado pelo calor, lhe deu. Embaixo do braço um cabo que tinha a trouxa de pano pendurada. Em segundos passou na minha mente muitas formas de puxar assunto. Oferecer comida, perguntar o nome e até aquele medíocre comentário sobre uma possível chuva, passaram no meu pensamento. Mas, como nunca fui boa de pensar diante de situações decisivas, deixei de lado o meio termo e fui direta: “O que tem nessa trouxa?”. Ele levantou a aba do chapéu e foi levantando o rosto, numa velocidade apavorante de tão lenta. Quase corri. Mas a curiosidade era maior. Mas e sem fossem meias? Ia valer a pena correr o risco de me aproximar por meias? Até que fossem umas canecas...Mas não, canecas fariam barulho. E meias não fariam tanto volume. Quando ia mirabolar outra hipótese ele respondeu com a voz grave e firme: “A verdade.” Não entendi.Menos de um segundo depois perguntei que verdade. “Todas”. Ele me respondeu e começou a rir. Uma risada que não tinha som. Uma gargalhada, mas que não fazia nenhum barulho. Um cachorro parou perto e começou a latir pro homem, que ria muito, e agora apontava pro cachorro. E o bicho latia e então percebi que eu não ouvia sua risada, mas o cão sim. E entendi que talvez sua risada fosse como as coisas que ele diz enquanto caminha. Ninguém ouve, ninguém entende, mas ele diz. E então conclui que ele tinha sim as verdades dentro daquela trouxa de pano. Carregava, se não todas como disse, pelo menos as mais dolorosas. Carregava o desprezo do ser humano, a discriminação, o preconceito. Carregava a dureza da vida, o medo, o frio, a fome. Carregava a dor de feridas que não cicatrizavam. Carregava a sujeira física que tinha e a sujeira moral que lhe impunham. Carregava também a compaixão dos que lhe davam algo de comer, mesmo que só quando pedisse. Carregava a falsa piedade dos que não o julgavam, mas para isso fingiam que não o viam. Carregava a dúvida das crianças que ainda não conseguiam fazê-lo invisível como os pais faziam. É um guardião e por isso não o entendemos. Por isso muitos não o vêem. Porque ele é como as verdades que carrega na trouxa. E essas verdades são mesmos difíceis de ver e de entender.
Passaram-se os anos e continua andando. A mesma feição. Nada mudou. E talvez não mude. Afinal, o guardião só muda quando o que ele defende encontra seu caminho. E o caminho das verdades é o coração de cada um. Talvez por isso ele ande tanto, é um caminho longo.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

De lado e parte


"De todo sentimento bom há o lado ruim
O lado que dói
O lado que torna os dois lados nenhum

De todo sentimento há a parte que fica
A parte que sai
A parte que cata onde não tem pra fazer

De cada sentimento fica uma parte que vai
Uma parte que cai
A parte de um lado dos dois que nunca será um

Em todo sentimento há o lado do avesso
Da parte que mesmo sendo sentimento não sente
O lado da parte que mente e ri por não ser o outro de modo algum."

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Acabou a gentileza

Irmãos voltando-se uns contra os outros. Juízes sem diploma. Facas sem dois gumes. Está tudo um caos. Você não se vê no outro nem no espelho. Você se vende e agradece por isso. E eles te compram, como se isso fosse um favor. Você não é máquina, você não é gente. Você não é nada. Você é o que? Milhões de pessoas ao mesmo tempo pensando: “o que eu vou fazer?”, “pra onde é que eu vou?”, “o que eu vou comer?”. Milhões de pessoas pensando ao mesmo tempo “Eu vou morrer.” E todos caminhando. Caminhando num passo marcado, adestrado. Todos conformados, ou até inconformados, dentro da conformidade. Num passo marcado, adestrado. Dentro da conformidade. Andando em círculos. Se apóiam nas linhas que saem de suas mãos e pés pra sua própria defesa. Não dão um passo sem a diretriz delas. Trocam a inconstância da luta pela segurança da submissão. Vendem suas almas pelo pão de cada dia, pela casa, pelo telefone, pelo computador, pelo carro. E lutam pra conseguir boas vendas, mas quem tem o preço mais alto nem sempre ganha mais. Alguém fez todo mundo pensar assim. Se eu soubesse quem é podia ajudar. Podia dizer: Olha você está sendo malvado! Piedade desses pobres diabos! Pobres diabos.. Estão cegos, estão surdos, estão doentes! A inteligência já não funciona tão bem e por isso só assimilam o que lhe dizem. Pobres diabos... O coração também já não está bom, parece que bate, mas só bate quando faz muito esforço, e às vezes nem assim. Pobres diabos...A memória, essa já está por acabar-se, já não lembram quem são, já nãos reconhecem os irmãos e olha que são exatamente iguais a eles. Pobres diabos...pobres diabos... Mas e se esse alguém me dissesse que não lhes engana? Afinal , está tudo tão claro. Mas as doenças lhes impedem. Mas a cura é tão acessível. E por que não se curam então? Aí entra a culpa do outro. Mas e se essa culpa foi a origem apenas? Agora mantém a doença porque querem e porque gostam dela? Não são pobres diabos...Têm vontade de ser o que são. E o que querem mesmo é ter o preço mais alto. Acham que têm o poder de ser o que quiser, de mudar o que quiser, pois sozinhos têm força. E é melhor chegar sozinho do que ficar junto. Nadam contra uma maré cruel e se debatem nas pedras e jogam uns aos outros nas pedras. E oferecem uns aos outros aos pássaros para serem devorados. E o passo marcado, adestrado parece uma ópera mórbida, uma dança que impele os bailarinos a guerra. A luta contra a sobrevivência. Bando de burros!! Parem de olhar para os lados, de se matar entre si, de ostentar a moral e os bons costumes que são tão úteis quanto correntes enferrujadas sobre feridas abertas na carne. Olhem pra cima. Porque o inferno ao contrário do que muitos pensam está no alto. Ele dita as regras, a maré, a dança, a guerra. E lá se divertem, riem, saboreiam a visão d alto de suas correntes rangendo e pesando. As suas doenças são a base de lá. O dia em que olharem pra cima...ah o dia! Verão que é tão frágil e tão baixo que não terão opção que não seja atacar e deixarão de nadar pros lados e nadarão rio à cima. E a corrente forte vai ser fraca. E a luta contra vai ser a luta pela. E quando passarem vão olhar pra cima de novo...e ver que ainda há o em cima, mas que não se sabe já se é inferno ou céu...mas já está a cima do que estava antes.

Um espírito...Liberdade

E a pior parte é perceber que mesmo quebradas as correntes ainda acham outros meios de nos prender. Castram nossa criatividade e mancham as partes mais bonitas que gostamos de lembrar. Roubam nossa história, entram nas memórias mais nossas e querem nos tirar as preciosidades que não podemos guardar em cofres. Dizem que não tem fundamento, que a culpa é nossa, que fazemos por onde. E talvez isso seja um avanço, afinal, estão nos dando crédito por algo. Antes, a culpa era nossa, sem sermos culpados, por culpa da sorte. E quando nos dão alguma razão, quando aceitam nossas batalhas, entram nelas, querendo as patentes mais altas, as melhores armas. Aliás, quando exaltam nosso costume também entram nele, também tiram-no de nós, com a desculpa dele ser de todos. Pegam, fazem, cantam, dançam, pisam, rasgam. Usam, vestem, amarram, pintam, prendem, sambam. Querem... mais e mais... apagam... desviam... “descriam”. E agora? Nos entregamos? Não. Se depois das guerras, das lanças, das armas de fogo, dos navios, dos leilões, dos senhores, dos feitores e dos grilhões ainda estamos aqui, por que desistir? Talvez seja esse o destino, a característica biológica pré-determinada da pele: lutar. Talvez seja todo o objetivo de existir. Existir por continuar-se, por não perder-se, por não abandonar-se. E não abandonamos. Anunciamos com os tabores que os espírito não dorme e grita ensurdecendo as almas, estremecendo os corações, vibrando nos corpos. O espírito vaga e desbrava as verdades, arranca as histórias, protege as memórias e revive de pouco em pouco na garganta dos que tem no sangue a sede de justiça. O espírito não parte, o espírito cresce, e embora muitos desmintam, espírito tem um só nome: Liberdade.