segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

"Você me dá medo...."

Toda vez que algum homem me diz "você me dá medo" (o que tem acontecido com frequência) eu fico pensando no porquê.

Primeiro ainda sou tentada a cair na armadilha do "eu sou maluca". Não que eu seja a pessoa mais comum do universo, mas digo "maluca" como o adjetivo predileto que os homens usam para tirar qualquer razão que a gente tenha sobre alguma coisa que os desagrada. Nos relacionamentos em geral o "você é maluca" é a mesma coisa do "porque sim".

Segundo, depois de muita força de vontade (e ajuda de terapia) para driblar esse pensamento começo a refletir o que pode causar esse medo.
Analiso primeiro as alegações: imprevisibilidade, agressividade, inconstância.
E aí a justificativa delas: "Não sei como você vai reagir", "não sei o que você vai fazer", "você é muito direta", "você fala tudo na cara", "você faz muitas coisas", "você tem uma rotina corrida", "você muda de idéia muito fácil".
Sinceramente o boi-da-cara-preta ia matar vocês de susto por sms. Porque o que causa esse "medo" é nada mais nada menos do que a idéia de uma liberdade muito básica de existir.
Nós mulheres, em geral aceitamos o comportamento imprevisível dos homens, que vai desde um "balão" na sexta-feira até um pedido de casamento surpresa. Nós somos adestradas desde sempre com desenhos e contos de fada que mostram a dúvida do "será que ele me ama" como algo natural e essencial para a construção dos relacionamentos. Nós mulheres somos educadas para sermos intensas nos relacionamentos, mas de uma forma direcionada: sofrimento intenso, insegurança intensa, dedicação intensa.
Da mesma forma, vocês rapazes são educados a esperar de nós disponibilidade, certezas, estabilidade nos posicionamentos, dedicação.
E o primeiro passo pra gente romper com isso tem que ser parar com essa idéia de medo. Se alguma coisa me dá medo eu vou procurar entender o porquê (a não ser que isso represente riscos à minha vida, óbvio). Não acho normal desistir de algo que nos é atraente por medo. Não fazemos isso com outras coisas da vida: sexo, cachoeira, pimenta, álcool, filme de terror, montanha russa, avião.. óbvio que depois de pensar sobre ou experimentar certas coisas percebemos que elas não nos convém, mas imagina se a gente não fizesse nem conhecesse nada disso sem nem questionar?
E aí venho com essa linha de raciocínio humildemente tentar contribuir para o primeiro passo que um boy de boa vontade pode dar para superação do seu machismo: superar o medo das mulheres empoderadas e das que estão se empoderando. Empoderamento, pra resumir tem a ver com tomar para si o poder sobre seus posicionamentos, direitos, escolhas, ter consciência do seu papel na sociedade e lutar para construir o papel que deseja para si nessa sociedade. Tem a ver com liberdade e auto-estima. Não é nada pessoal com vocês rapazes, é sobre nós mesmas. E aí vem a continuidade do exercício: sair do centro do mundo. Uma mulher empoderada, ou que está nesse processo não quer te machucar: ela tem muitas coisas para fazer.
Então, entendam que esse suposto "medo" na verdade representa o despreparo de vocês para lidar com situações que fogem da "regra". E não há problema nisso. Como me disse minha amiga Bárbara: Respira, inspira e não pira!
Estamos todos aí pra aprender, superar padrões, nos livrar de amarras. Se tiverem boa vontade será um prazer contar com o apoio de vocês.
Aliás, da minha parte será um grande PRAZER. ;)

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A Maldição da Mulata

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A poesia apresentada é meramente fictícia e resultado das impressões e sentimentos da autora.
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A Maldição da Mulata




Carregarás contigo para sempre a dúvida
Levarás desde pequena o peso de ser e não ser contra tua vontade
Tentarás sempre, sem êxito, ser uma ou outra e chorarás com o fracasso
Sentirás que todos são os teus, mas não pertencerás nunca de verdade a canto algum.

Te enxergarás um pouco no bem, um pouco no mal
E não poderás se levantar totalmente contra ou a favor de nenhum dos dois
Não poderás ferir o outro, sem ferir a ti mesma
Não poderás ter o inimigo fora de ti, tu não poderás o ver sem ver-te.


Sentirás a todo tempo que trai
Nunca poderás ter um único caminho
Nunca saberás o que é ser reta
Te verás um pouco de caça, um pouco de caçadora
Te verás um pouco heroína, um pouco vilã
Juntarás em ti o bem e o mal e os mostrará sempre, lado a lado, com igual peso.


Receberás os piores olhares: os de dúvida, os de certeza, os de desejo
Serás renegada, negada, calada e não poderás mesmo te defenderes diante disso
Tua única defesa será não te defender, assumir o peso que carregas e usá-lo de escudo pros teus semelhantes, que serão todos
E quanto mais o fizeres, menos saberás do que é, menos certezas terás, mais medo, mais culpa.


Carregarás contigo o peso eterno de ser meio tudo e meio nada
Serás vista, justificada, explicada, enaltecida, destruída
Sentirás dores dúbias, ódios que não poderão se concretizar, amores que não deveriam se realizar
Darás a tua vida sem saber se ao aliado ou ao inimigo
Foste roubada do teu direito de ser
Não mais poderás sofrer totalmente, viver totalmente, lutar totalmente, morrer totalmente
Serás duas. Serás metade. Serás mulata.



segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Alergia

Às vezes me agarro nas bobeiras, porque a vida mostra muitas coisas que não gostaríamos de ver.
Eu não gostaria de ter visto uma mãe com os olhos cheios d'água dizendo que perdeu um "neném no meio da rua" por falta de atendimento médico. E que o "neném de outra foi embora pelas pernas no meio da praça.." pelo mesmo motivo.
Eu não gostaria de ter visto olhares ameaçadores dos homens que todo dia infernizam minhas caminhadas nas ruas.
Eu não gostaria de ter visto aquele garoto fedendo catando comida no lixo.
Eu também não gostaria de ter visto o soldado armado em cima da caminhonete do bope na linha vermelha apontando a arma pra cabeça da vendedora de água e intimidando os meninos que vendiam refrigerante num calor de escaldar. Eu não gostaria de ter visto uma arma daquele tamanho e o descontrole daquele soldado hoje.
Eu não gostaria ter visto o menino preto que sentou do meu lado no onibus com medo de eu ficar com medo dele, colocando a bolsa no chao e discretamente pegando a carteirinha da escola, "olhando" e guardando,
Eu não gostaria de não ter conseguido falar tudo que eu sei de uma vez só pra quem precisa saber disso muito mais que eu. Eu não gostaria de ter visto que muitas vezes isso não vai resolver as coisas.
Porque os nenéns não voltam, a arma tá lá e os meninos continuam com medo de que a gente tenha medo deles.
Eu não gostaria de ter visto tudo isso em uma segunda-feira. Mas gostaria muito menos de não ter percebido que tudo isso acontece o tempo todo em todo lugar. Não gostaria de ser cega. Não gostaria de não chegar em casa e chorar. Não gostaria de outra vida que fosse seca, fria e confortável. Não gostaria de uma realidade de ar condicionado. Tenho alergia, no corpo e na alma a essas coisas artificiais.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Nasce menina, nasce!

Menina não nasce! Não nasce não.
Que o mundo né bom pra preta não.
Menina não cresce! Não cresce não.
Que o mundo tem pena de preta não.

Fica aqui menina, que eu acho que eles ainda não tão prontos pra você.
Eu não sei se eles vão saber te receber.
Talvez eles te olhem e não te vejam porque não querem ver.
Pode ser que eles te achem boa e te levem pro meio deles.
Mas vão te fazer tão diferente deles e tão diferente dos teus que você não vai mais ter lado algum.
Você vai se sentir tão sozinha que vai parecer que o chão do mundo não é firme pros seus pés.
E enquanto você não enxergar que não tá em lugar algum vai ficar andando em barbante com ponta amarrada no vento.
E você vai caminhar, mas vai ver tanto caminho. Tanto caminho que não te liga, que não te leva.
Tanto caminho que te enfraquece, que te entristece.
Não nasce minha menina que eles vão querer te pegar pra eles, pra te jogar no nada.
E se você não aceitar minha menina pode ser pior.
Se um dia você acordar e se ver, e realmente se ver, eles não vão aceitar.
Vão te chamar de ingrata, vão parar de fingir que não te veêm como te veêm.
E você não vai ver mais tantos caminhos que não te carregam.
Você vai ter que andar por caminhos que não via, que ninguém te vê.
Você vai ter que andar por você pra pegar a estrada do mundo de novo.
Você vai ter que enfraquecer até cair pra poder levantar.
Você vai ficar totalmente sozinha.
E só então vai poder enxergar as mãos que vão te ajudar.
Pera menina! Não vem agora!!
Ainda tem gente que tá aqui tentando ajeitar pra você.
Tem gente que cai, se arrebenta, se rasga inteiro, se parte em almas pra você chegar melhor.
Tem espírito no mundo que se partiu em pedaços e se escondeu em um monte de peito pra guardar você.
Tem pé que se esfola, que se abre, que sangra, mas não pára de caminhar pra te abrir passagem.
Tem garganta que seca de gritar pra quando você chegar todo mundo te ouvir.
Tem ouvido que se machuca e fica em carne viva de maldade que escuta pra que não chegue a você.
Tem peito que dói, que tá ferido, que quase pàra de bater, mas que move energia de um mundo pra te carregar quando você vier.
Tem olho que chora de tanta ruindade que vê e que tenta ver tudo, pra poder só mostrar coisa bonita quando você acordar.
Tem braço que carrega o peso do mundo, pra você vir leve, sem culpa e sem medo.
Ai menina! Você não me escuta!!
Ahhh!
Você quer vir por eles?
Então venha menina.
Nasça pra trazer paz pra essas almas guerreiras.
Traz um alívio pra quem tenta sobreviver e não ser esquecido.
Faz carinho e dá esperança pra quem já não sabe quem é .
Ahhh!! Nasce menina, nasce!!
Não, não tenha medo não.
Eu te falei das tristezas, mas as alegrias são bem mais.
O teu sorriso vai dar luz pra um mundo inteiro.
Não deixa ninguém apagar ele não, tá?
Nasce menina, toma vida, cresce!
Faz o caminho por você e pelos teus.
Segue adiante com a força de todos nós.
Eu vou rezar por você.
Nasce minha menina, nasce.
Mas aprende já que não vai ser fácil.
E nasce sozinha, que você tem força pra isso.
Sai de dentro de tudo que te aprisiona, da barriga, da roupa, do cabelo, da surra.
Sai do não, da cara de nojo, da mão que não quer no teu corpo.
Sai do inferno de ser presa, nasce menina,nasce!
Mas nasce sozinha, que você tem que ter força pra isso.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Sobre globelezas

Dói pesquisar sobre a Nayara Justino, última "Globeleza".
Tanto que dá vontade de lançar uma campanha contra essa porcaria.
Em tempos de criticar "Sexo e as Nega" jogo no google e vejo a minha maior referência de beleza na infância: a globeleza. Sempre foi esse o elogio. Só esse. Essa era a comparação ou a justificativa plausível para me elogiar. Se eu sambasse em algum lugar então. Acredito que não só comigo, mas todas as meninas negras eram jogadas nessa única opção de ser bonita.
Fui crescendo, e provavelmente pelo fato do meu corpo deixar a desejar para os padrões de mulatas exaltados as comparações diminuíram. E quando eram feitas eram no tom de "estou te ajudando hein, nem é isso tudo." Que bom que pararam, hoje eu não aguentaria.
Disputamos muitos espaços, mas acho que desse eu abriria mão. Ver minhas irmãs pintadas, sendo vendidas, usadas pra serem colocadas em prateleiras até o ano seguinte. Essa ficha caiu mais ainda hoje e doeu. Eu também já desfilei no carnaval seminua. Mas toda a essência do meu ser não se resumia a isso. Sair seminua representou sim um momento de vaidade e liberdade. Quando botei minha roupa e depois da quarta-feira de cinzas óbvio, voltei a ser tudo mais que eu era.
Não consegui sentir orgulho em nenhuma das fotos que vi hoje, ao contrário me machucou muito. Pois são uma edição cruel da realidade. Talvez Valéria Valença tenha tornado isso tudo muito discreto através de seu relacionamento inter-racial.
Basta ler comentários e críticas formais ou apenas ler o conteúdo das matérias para perceber que eles sabem o que querem e porque querem. Que eles mandam, julgam, humilham e fazem o que bem entendem com aqueles corpos expostos.
Sinceramente quantas pessoas que você conhece que já avaliaram a aparição da globeleza enquanto apresentação artística?
Mas me pergunto como dizer para uma menina negra que ela não deve sonhar em ser globeleza. Me pergunto em como falar para uma passista que rala de segunda a sábado, sai correndo do trabalho, vai pro ensaio, parcela sandália, vestido e tudo mais, que aquilo não é o que ela merece. Me pergunto em como dizer para quem gasta uma grana que não tem em unha, cabelo e roupa, só pra tentar ser mais aceita que ela não precisa disso. Me pergunto como vou falar que um dos poucos elogios que ela ganha não é um elogio. Se o samba e as quadras são alguns dos pouquíssimos lugares onde somos as protagonistas, como eu vou dizer que ela não deve querer estar lá no máximo do status?
Para mim, sentada na minha formação política, em meio a seminários e debates é óbvio a violência, a sexualização, a exploração que está envolvida nesse processo. Para mim, na dor da minha militância fica clara a dor das minhas irmãs usadas e rotuladas por quem acha que pode determinar o que é bom para nós. Para mim, que não fui fisgada porque não tenho as características físicas que interessam a eles talvez seja mais fácil resistir à vaidade, ao ego e ao sonho.
Parabéns senhores! Vocês são geniais. Estratégias limpas, mas de uma crueldade... Dificilmente alguém pensaria nisso. Dificilmente alguém faria tamanha crueldade com alguém. Que dirá com um povo inteiro.

Haverá uma próxima globeleza. E eu não sei o que dizer para todas as outras que não serão e acharão ter perdido a única chance de ser alguém para a sociedade. Eu não sei como dizer para não quererem. Me chamarão de louca, de recalcada, de egoísta. Vocês dirão que o melhor é que eu não diga nada.

Mas eu....bom, infelizmente pros senhores, eu já passei dessa fase.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Ei Neguinha! Você tá discriminando!

Aproveito hoje para dizer sem meias palavras: Não encham o saco!
Não sei mais quantos argumentos históricos, teses, poesias, vídeos, seriados ou assassinatos serão necessários para convencer vocês de que não somos tratados de forma igual.Façam-me um favor..
Eu estou discriminando porque quero que nos poucos espaços que falam de nós, sejamos nós as pessoas falando? Me poupem.
Vi na TV hoje um seriado sobre afro-descendentes, apresentado por um branco. E depois umas entrevistas, apresentadas por um branco, com dois convidados: um negro e uma branca. Eventos sobre África, produzidos por brancos. Programa de pretos criado por brancos. Filme de preto, dirigido por branco. Foto de preto, tirada por branco. Música de preto cantada por branco. Roupa de preto, vendida e vestida por branco. Falar de apropriação cultural não significa dizer que pessoas não negras não possam usar nem compartilhar da cultura negra. Tentarei ser didática.
Você quer fazer um trabalho de valorização de negritude porque é contra as desigualdades raciais. E aí conta uma história que não é sua, ganha dinheiro com isso, rececebe créditos, é parabenizado... E os negros de quem você fala são simples personagens da sua obra.. Pois é minha mana e meu mano, isso é apropriação cultural. Você quer reivindicar um protagonismo na cultural, nos direitos e nos espaços dos negros, mas em nenhum momento vivenciou as dificuldades sofridas pelo racismo em seus variados aspectos, pois é caríssimos/as, isso é apropriação cultural.
Durante muito tempo ouvimos que não estávamos em alguns lugares pois não éramos qualificados. Atores brancos se pintavam de preto para fazer personagens negros, pois não haviam pretos com talento. Personagens como Gabriela, clareavam ao sair dos livros, pois não haviam atrizes qualificadas com a pele mais escura como o autor criou para interprtá-la. Seminários sobre negros tem palestrantes brancos, pois não há negros com currículo suficiente para ter o direito a fala.

Se antes isso já era mentira, hoje não há nada que possa tentar justificar. Impossível não haver em qualquer lugar, em qualquer área, em qualquer tema um negro ou negra que corresponda aos seus critérios de capacitação senhores/as. Então eu lhes sugiro procurar. Tenham a decência de procurar porque não estamos mais engolindo ver pessoas não negras ousando em falar por nós ou tentando nos representar pelas suas "boas intenções". Não estamos mais caindo nessa conversa fiada de que vocês sabem mais, entendem mais, são mais especializados ou tem mais experiência. Isso nunca foi honesto ou sincero, mas mesmo assim, entramos no seu jogo e agora também usamos suas armas para vestir nossa própria camisa.

Você vai me dizer que estou discriminando os brancos e perguntar: "Mas você acha que tudo que se refere a negros tem que ser feito e representado por negros?" SIM! Porque enquanto não houver igualdade precisamos garantir que pelo menos os poucos espaços que temos nos sejam de acesso garantido. Não queremos ser enfeite. Não queremos ser coadjuvantes. Não queremos um papel na sua trama.

Não peço desculpa aos não negros que acreditam que seus trabalhos são uma ajuda. Peço para que pensem sobre o que leva vocês a serem considerados melhores que os próprios protagonistas da história que vocês contam. Enquanto fazem suas boas ações, pessoas tão qualificadas quanto vocês e que vivem a realidade da qual vocês estão falando não conseguem ter o mesmo espaço. E vocês estão aí, legitimando a idéia leviana de que entre eles não há ninguém que possa lhes superar. Legitimando a idéia ingênua de que vocês estão aí porque merecem. Só que não senhores.

Não me proponham em hipótese alguma não assumir uma postura dicotômica. Não fomos nós que começamos essa história. E se fosse tão fácil assim de se resolver vocês não teriam metade dos privilégios que têm hoje. Ok, você não chicoteou ninguém (é absurdo, mas já ouvi esse argumento..), mas talvez só não com um chicote. Porque cada vez que ri de alguém com traços negróides, que humilha um morador de rua, que tem nojo do seu porteiro, que subestima as faveladas, que pré-determina o destino ou o caráter de um jovem negro, ou simplesmente toda vez que você ocupa um lugar, impedindo que quem faz parte daquela realidade esteja lá, você está chicoteando todos nós, negros.
Fomos colocados em lados separados sempre. E enquanto estar do seu lado significar nos mantermos conformados abaixo de vocês, permaneceremos assim.














terça-feira, 18 de novembro de 2014

Procoração

Venho por meio deste abrir mão de certos desprazeres que andam se dizendo satisfação
Livro-me das correntes de supostos desejos fermentados na ilusão
Lanço-me na contramão dos propósitos imprudentes da intensidade
Dos jogos cansativos do imprevisível
Das viagens de ida com voltas dolorosas da não certeza

Não abro mão dos riscos
Eles podem residir na prepotência da tranquilidade
Eles são alimentos da fé
Mas me permito não ceder mais aos caprichos das tempestades de verão
Das melodias improvisadas e dos versos impensados
Me deixo não ver nos excessos a animação da vida

Opto então por crer que que pode haver mais consistência no movimento das marés
Do que na busca desefreada por terra firme que simboliza o quebrar das ondas
Julgo mais apropriado os exercícios contínuos em busca de aprimoramento
E não mais os problemas únicos, interminávis e impossíveis de reprodução

Ganho-me a vantagem da apostar na serenidade da construção de um lar sólido e plano
Ao invés de me aventurar em arranha-céus que balançam
Fico com pirâmides ao invés de Torre Eiffel
Guardo-me na correnteza dos rios e não no inevitável das quedas d'água
Mesmo sabendo que um pode levar ao outro e que sempre o fará.

domingo, 16 de novembro de 2014

Sobre madrugadas

Primeiramente é preciso dizer que estou bebada..
Segundamente que minha mãe falou pra nao ligar o pc;;
Voltando de um pagode, gostaria imensamente de saber o que faz os homens acreditarem que " precisamos de alguma coisa".
Esse final de semana pude ver o quanto é excitante uma preta batalhadora... porque foi isso que ouvi entre algumas cantadas. Como se isso fosse opção. Queria entender o que faz esse caras pensarem que eu sou tão boa de cama e tão foda como eles pensam, ao ponto de serem totalmente previsíveis e patéticcos.... gostaria muito de entender porque eu serviria pra tudo menos pra falar sobre como foi o dia.
Sim, é muito bom ser independente. E aí é bom avisar o quanto vcs parecem imbecis com suas frases clichês.
E o melhor: quando tentam ser surpreendentes são tipo, deprimentes.
Um cara branco diz " você merece ser amada". Como se eu não soubesse o que é ser amada... O que você acha menino? Que eu só fui comida a vida toda? Acorde: não preciso do seu aval!
E aí vocÊ tem que entrar em amenidades, falar pouco e sorrir mais, pra não humilhar quem está em volta. Pra não dizer "sério que tu acha isso? Não! lê mais um pouco." Pra não achar todo mundo meio cego....
Mesmo bêbada, vendo embassado você ainda tem seu raciocìnio... E o telefone toca...e é aquela ligação que faz vc se sentir tão boba quanto todo mundo...Mas nem importa...
Porque o mundo tá muito brabo pra curtir isso. Tão brigando com o motorista do ônibus...o cartão não passou. Você sabe que não devemos brigar uns com os outros. O capital quer isso, mas você não se acha comunista. Você está bêbada, mas mesmo assim se preocupou com a menina na fila do banheiro que estava chorando. Era menor de idade, não sei se aconteceu algo, ou se foi só bronca da mae. Esse mundo tá uma merda. Mas vc só queria um pagode..
E quem era o cara enchendo o saco e te chamando de grossa? Nem fui grossa, só nao tava afim...e tiveram os outros... será que sou grossa?
Quer saber: só nao tava a fim!
No meu quarto rosa, com edredom de flores, com tudo limpinho... Me sinto menos de tudo que eu sou. Nem lembro bem o que falei no telefone...o sanduiche estava bom...e amanhã é segunda feira.


(Publicação original em 03/11)

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Sobre a nota de repúdio do MNS sobre o ocorrido no seminário sobre Fela Kuti na UERJ


Reforço que não tenho o mesmo acúmulo teórico dessas pessoas. Agora posso iniciar.
Sinto-me muito preocupada com esse posicionamento.
A questão que me preocupa meus caros é a de como para os senhores suas doutrinas teóricas os desligam da realidade.
Dizer que fazer isso ou aquilo é sucumbir ao capital é fácil. E sinto em dizer que não são os únicos a perceber isso. Sinto muitíssimo ainda em dizer que pessoas como eu, que não leram nem 1/3 do que os senhores já leram conseguem perceber e problematizar isso como uma relativa facilidade.
A questão é que enquanto o capital e todas as suas mazelas não são superadas existem vidas e pessoas. E pessoas que são mais exploradas que outras pessoas. Existem diferenças. Fico contente em ver vosso empenho para através da vossa perspectiva superar todas as formas de opressão. Mas questiono: Até lá devemos negligenciá-las?
Questiono também se "adaptar-se" e utilizar-se de certos recursos capitalistas é somente uma forma de aderir a ele, como os senhores alegam, ou não é também uma forma de sobrevivência enquanto o mesmo não é superado.
Ser financiado por empresas, por estados e por ONGs, é obviamente fazer parte da máquina capitalista. Mas gostaria de perguntar qual seria a alternativa dos senhores para não fazermos parte dela até que esse sistema seja superado. Sim, porque acredito que os senhores comprem roupas, que os senhores morem, que os senhores viagem para seus congressos, que paguem por seus estudos, que tenham carro (me desculpem a ofensa). Eu acredito por exemplo, que os senhores comam, certo?
Os senhores que se orgulham tanto do vosso senso crítico e capacidade de visão não acreditam na possibilidade de que pessoas possam utilizar-se desses artifícios sem mudar suas ideologias? Sem serem influenciadas ou manipuladas pelo capital? Entendo que o capital tem ferramentas cruéis poderosíssimas, mas se os senhores usam essas ferramentas e conseguem, por que outras pessoas não conseguiriam? Perdoem-me pois não quis ser leviana na afirmação de que usam as ferramentas do capital, mas a educação pública ainda faz parte e é instituída pelo Estado pelo que sei, bolsas de pesquisa, mestrado, doutorado, etc também. E mesmo que seja difícil aceitar, a produção literária, publicações, organizações de encontros, seminários, jornadas também passam por essa máquina, certo? Então se o dinheiro do Estado pode ser usado de uma forma crítica pelos senhores por que não poderia ser utilizados por outras pessoas para comer, por exemplo? Ou para que se organizem e tentem subsidiar a outras pessoas para conseguirem ocupar um espaço dentro da cruel máquina do capital que as permita morar e se vestir, por exemplo?
Obviamente os senhores perceberão que faço parte de uma ONG. Mas eu gostaria de contar com um voto de confiança para dizer que a partir do momento em que curso Serviço Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro compreendo-me completamente dentro de um nicho profissional criado e mantido pelo capital. Compreendo as ONGs dentro da perspectiva de transferência da responsabilidade do Estado para a sociedade civil, como instrumentos de construção de consenso, ajuda na manutenção da ordem social, etc. Eu provavelmente já tive aula com algum dos senhores ou seus amigos, ou algum professor que lhes tenha dado aula.
Talvez a maior diferença então não esteja na nossa formação acadêmica (digo no processo, pois ainda não finalizei a minha), mas sim na nossa forma de ver o mundo. Entendam sou contra qualquer tipo de romantismo em assuntos políticos. Mas sinto que o grande empasse pode estar no campo das perspectivas. Os senhores acreditam que encerrando-se o capital, encerram-se as formas de opressão, certo? Mas sabemos que o tempo histórico é algo relativo.
Vamos a uma situação bem simples. Eu sou a primeira pessoa da minha família a frequentar uma universidade pública. E a segunda a frequentar o ensino superior. Gostaria de ressaltar que a primeira pessoa não foi nenhum parente ascendente e sim uma prima, na mesma faixa etária que eu. Gostaria de lhes perguntar:
1) Eu deveria aguardar a superação do capitalismo para ingressar na universidade?
2) Eu tenho menos senso crítico ou capacidade revolucionária que os senhores por ter utilizado a política de cotas?
3) Por utilizar a política de cotas eu fui contaminada pelo capital e agora estou a serviço dele?
4) Como eu desenvolveria minha capacidade cognitiva, questionadora e meu espírito de luta sem estar no espaço da universidade, o qual eu só consegui acessar através da política de cotas?
5) Eu deveria ficar de fora do seu espaço político até a superação do capitalismo?
Reforço que não tenho o mesmo acúmulo teórico que os senhores e por isso meus questionamentos. E aí retorno a questão das perspectivas. Será que o maior entrave não está no fato de que determinadas pessoas dentro do capitalismo estão em situação de privilégio mesmo sendo contra e ele e outras não estão e por isso vislumbrem caminhos diferentes para o alcance de um mesmo objetivo?
Sim, porque não deslegitimo o vosso sentimento de um mundo justo e igualitário. Mas até lá, seria justo exigir que pessoas que não estão em um mesmo pé de igualdade tenham as mesmas prioridades? Será que devemos sacrificar vidas e oportunidades de consquistas em prol de olhar para um futuro que ainda não tem garantia de existência? Será que enquanto se luta para caminhar e superar um sistema de exploração não é possível olhar para os lados?
Entendam-me senhores, minha maior preocupação é que pessoas morrem. E se isso é culpa do capitalismo, lutar pela vida delas hoje não é também uma forma de combatê-lo? Se a exploração capitalista não atinge a todos os grupos sociais da mesma forma, tentar empoderá-los não é também uma forma de lutar contra ela?
Senhores eu gostaria muitíssimo de saber como se dá seu trabalho de base. Eu realmente não sei. Já ouvi muito sobre, mas não dos senhores. Como os senhores tentam chegar ao proletariado, ao lumpem a todas essas definições que eu vi no primeiro período da universidade? Entendam, nós (mundo acadêmico) somos uma minoria. Como os senhores dialogam com as massas? Ou será que os senhores entendem que sua produção de conhecimento e sua geração de certezas é suficientemente concreta para solucionar todos os problemas da humanidade? Haveria senhores um processo de construção social e político coletivo?

Gostaria de finalizar expressando minha preocupação claramente: Se diante de uma perspectiva teórica os senhores sentem-se tão confortáveis para dizer o que é ou não importante, quem é ou não digno de ter voz e que pensamento é ou não crítico, que garantia eu tenho de que num futuro os senhores não sejam tão opressores quanto o poder que condenam?
Desde já obrigado e todo o meu apoio ao grupos oprimidos e explorados que não tem siglas.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Tempo

Tempo que vem, tempo que vai, tempo que insiste em ficar
Tempo que vi, tempo que foi, tempo que não vai esperar
Tempo de ser, tempo de crer, tempo de fé, de fazer
Tempo menino, tempo João, tempo de andar e crescer

Roda de vida, mundo que cai, e se levanta pra ser
Alma perdida nuvem que vai, volta quando escurecer

Tempo de linha, tempo de chão, tempo de amor devagar
Tempo de rio, tempo de mão, tempo que não vai esperar
Tempo Maria, tempo de irmão, tempo de amigo e sonhar
Tempo vencido, tempo que não volta e não para de andar

Luz de estrada, lua que cai, sol que promete um olhar
Vento que sopra, estrela que vai, volta pra um dia brilhar

Tempo de tempo, tempo que vai, tempo que não quer voltar
Tempo Maria, tempo João, tempo que não vai esperar
Tempo de vida, tempo de não, tempo de ir e ficar
Tempo de anseio, tempo de amor, tempo que não vai esperar...

domingo, 26 de janeiro de 2014

Escrevendo

Vou escrever agora. Sim, porque estou cansada dessa ditadura da ispiração. Não tem hora, não tem lugar, não tem frequência. Francamente isso é um absurdo. Num olhar para um lado meio atravessado vem aquela enxurrada de palavras na sua mente. E aí não importa se está na rua, na faculdade, no trabalho: pega qualquer coisa que sirva de papel e qualquer coisa que sirva de caneta pra segurar aquela idéia. E nem adianta tentar guardar aquele trechinho pra completar depois: igual a florzinha que a gente rouba da árvore da calçada ele seca e escurece rápido, não dá pra plantar depois.
Por isso, discordando desse abuso das idéias e "insights" eu resolvi escrever agora. Nada me aconteceu de diferente, não estou em um lugar especial, não usei nenhuma droga. Estou aqui, disposta a lembrar palavras e com elas fazer frases. E com elas parágrafos. E com eles um texto. Não tenho nenhum tipo de inspiração no momento. E se o simples fato de viver fosse ispirador eu não seria tão pessimista. Então, viver nesse exato momento não me inspira. As coisas ao meu redor não tem graça, não tem brilho, não fazem barulho, nem me lembram alguém. Estou só e vou escrever.
Poderia começar falando sobre relacionamentos, tema que particularmente adoro, mas isso exigiria uma reflexão e imersão em sentimentos que angustiam e comovem, portanto que inspiram e eu não quero trapacear.
Eu poderia também falar sobre as injustiças do mundo, mas brigar e reividicar mexem com coisas quentes que estão no sangue das pessoas, que causam ideiais, que movem corpos, que instigam mentes e esse não é o intuito.
Eu poderia fazer um poema. Uma coisa sem pé nem cabeça, somar umas palavras e dizer que é arte moderna. Interessante. Mas de onde viriam essas palavras? Não, não confio que sejam do acaso e não tenham toques inspiradores.
Bom, posso fazer um manual. De qualquer coisa. Algum produto asiático. Mas seria preciso figuras, e códigos e números e nomes de peças... Só aí já é muita abstração.
Ok, confesso que estou com uma dificuldade enorme. Não consigo ignorar essa pretenciosa inspiração. Não ainda! Sei de um cara que domesticava cavalos no Maranhão só com o estalar dos dedos, isso sim devia ser difícil. Mas prefiro admitir então esse fracasso sem me render. Pois agora digo que não escrevo. Não escrevo até me sentir livre da inspiração. E em quanto ela se fizer bruta e forte vai ficar guardada, sem voz, sem papel, sem caneta, sem mim que quero dispor dela e não ser disposta.