sexta-feira, 24 de junho de 2016

Preto pessimismo

Aos pouco volto para o mundo sem a menor vontade.
O país está um caos e a sensação de que nada pode ser feito está na cabeça e no peito da maioria de nós. Acredito que não esteja apenas naqueles que são ricos e poderosos, e portanto podem mexer seus pauzinhos e fazer algo para defender o que lhes interessa; e na cabeça daqueles idealistas, muito idealistas.
Não sei a quantas anda o cenário de movimento negro, mas quanto tento estudar sobre, mais me desanimo. Penso em que lugar vamos parar. Extremamente massacradas/os, matando uns aos outros, traçando inimigas e inimigos em nós mesmas. Consigo ver muita teoria e pouquíssima prática. Esforço para unidade, não vejo. São muitas verdades e soluções absolutas para que haja alguma possibilidade de diálogo. E se somos todas/os pretas e pretos, a menor discordância de idéias faz com isso caia por terra, enquanto a menor afinidade garante o direito de decidir pela outra ou outro.

Sei que é repetitivo, mas constato que o serviço racista branco foi muitíssimo bem feito: perdidas/os de nossas origens, sem referências culturais e sem confiança e respeito por nós mesmas/os zanzamos no mundo, nos batendo e nos odiando, tudo em nome do nosso próprio bem.

Defendemos valores e culturas que na maioria das vezes não temos mais a capacidade de praticar ou de simplesmente compreender. Nos abandonamos constantemente, nos viramos as costas, nos julgamos sem muitas vezes termos nos olhado nos olhos uma única vez. Cobramos o que não podemos dar. Esquecemos que faz parte da resistência um constante reaprendizado, um redescobrimento, processos que levam tempo e nos quais cada uma/um tem seu tempo. Sabemos todas as formas com as quais a supremacia branca nos adoece, teorizamos seus desdobramentos, mas não conseguimos reconhecer no nosso povo as deficiências imputadas e ter paciência e compreensão diante delas.

Longe de fazer qualquer análise de conjuntura esse microtexto tem a única e exclusiva função de registar: estamos mal, muitíssimo mal.
Focos e grupo se acham potentes, se intitulam referências, ressurgimentos, novas frentes. Mas estamos aos cacos, perdidas e perdidos.
E enquanto não conseguirmos olhar para os lado e realmente nos ver será daqui para pior. Continuaremos sendo usadas/os contra nós mesmas/os, sendo setoriais, massa de manobra, número no sindicato, pauta de coletivo pra garantir a diversidade. Continuaremos perpetuando através de nossas bocas outras vozes.
Reivindicamos-nos como Dandaras, Zumbis, rainhas e reis, mas não temos a mínima capacidade de compreender o significado de estratégia, aliança e resistência. Perdemos nosso faro ancestral para batalhas, nossa inteligência general.Viramos as costas para referências pretas que construíram, lutaram, escreveram. Achamos que descobrimos ontem o problema, que encontramos hoje a solução e que ninguém teve capacidade e empenho para isso antes. Sucumbimos como abelhas no criadouro, que tontas com o vapor tóxico produzem mel para outrem e o entregam sem resistência.

Aguardo os desdobramentos dos próximos capítulos dessa história sabendo que eles contém a morte de jovens pretos, de jovens pretas, de mulheres pretas, de homens pretos, de crianças pretas e de idosas e idoso pretos também. Sabendo que quando não a morte, a dor, a tristeza e o sofrimento de nosso povo estará incluído também. Sabendo que quando o simples desgosto pela vida se fará presente.

Pessimistamente preta, sigo.