sábado, 11 de novembro de 2017

"Amor, tá levando a identidade?"


Acabei de assistir a 13ª Emenda e ia fazer um post sobre o documentário, mas o Dani foi comprar pão e tive que interromper meu raciocínio.

Sempre que meu marido sai de casa faço a mesma pergunta "tá levando a identidade?". Sei que é normal que mães digam essa frase. Principalmente mães de jovens pretas/os e pobres. Mas eu sou apenas uma companheira de 27 anos, ainda sem filhos.
Bom, você pode me dizer: você é muito maternal. Mas não se trata disso.

Durante o período de escravidão pessoas pretas precisavam de documentos concedidos por seus donos (eu prefiro o termo sequestradoras/es ou exploradoras/es) para poder andar pelas ruas sem supervisão. Após a "abolição" para não se enquadrar nos crimes de vadiagem era preciso que se apresentasse algo que equivalesse a uma carteira de trabalho. Esses são só exemplos bem superficiais de como a documentação passou a funcionar como um passe obrigatório para que nós pretas/os possamos circular nas ruas. Principalmente sob a ótica de garantir com que estejamos sempre sob controle e supervisão.

Você vai me dizer que toda pessoa hoje sai com documentos e se preocupa com isso. Mas a grande questão é que nós pretas e pretos temos um objetivo principal com isso que é não ser presa/o.

Fato, que existirá aquele jovem , negro, bem sucedido que dirá que nunca foi parado pela polícia em seu carro e aquela preta que foi bem tratada pela PM ao sair da boate da zona sul com as amigas brancas. Mas honestamente eu não tenho energia para explicar o óbvio às exceções.

Ao fazer todos os dias ao meu marido a pergunta "você está levando a identidade" eu repito para mim e para ele que ele é preto nessa sociedade racista e por isso precisa sempre tentar se proteger. Eu repito para ele também que me sinto tão ameaçada quanto ele nessa sociedade e que portanto compreendo como ele se sente. Repito para ele que somos iguais e por isso quero protegê-lo.

Quando falo da importância de valorizarmos as relações entre nós é pelo simples fato de que apenas entre nós é possível compartilhar plena e organicamente nossos sentimentos e vivências.

Você pode me dizer que qualquer mulher de outra raça pode saber que seu companheiro é preto e se preocupar com isso. Mas ela nunca poderá compartilhar seu medo e compreender sua dor. Ela nunca sentirá o nó na garganta que ter que abaixar a cabeça e falar "não senhor" para não morrer causa. Ela nunca sentirá o peso ancestral de séculos de injustiça e violência e nunca poderá ajudá-lo a carregar esse peso. Ela nunca poderá segurar sua mão e lhe ajudar a erguer os ombros para continuar caminhando, pois não é puxada pelas mesmas forças que tentam dragar sua resistência.
E o mesmo se aplica a nós, pretas, que talvez sejamos até mais sugadas energeticamente em relacionamentos com homens de outras etnias, absorvidas ao ponto de venerá-los como "redentores" impossíveis de serem julgados.

Ao refazer todos os dias a pergunta "você está levando a identidade", reafirmo meu compromisso enquanto mulher preta de construir uma relação preta de resistência nessa sociedade. Uma relação que sim, deve ter muita alegria, muito amor e bons momentos. Mas uma relação que acima de tudo deve sobreviver e resistir. Que em um futuro possamos focar apenas no amor.







terça-feira, 7 de novembro de 2017

Quando a força se torna fraqueza


Recentemente tenho pensado muito sobre os caminhos que percorri até agora. Não esse mês, não esse ano, mas ao longo de toda a vida.
Talvez já esteja entrando na depressão das festas de final de ano. Talvez só esteja mesmo fazendo um esforço pra relembrar quem eu fui, como me tornei quem eu sou agora e quem eu serei daqui a um tempo.




Bem, o fato é que me deparei pensando em uma série de grandes projetos inacabados e comecei a me perguntar o porque desses abandonos. A primeira resposta foi "Ah, porque eu sou de Áries e ariana se desapaixona com a mesma facilidade com que troca de roupa". Mas, embora uma ariana quase clássica (impedida apenas pelo meu ascendente em touro), eu não sou tão crédula em astrologia e essa resposta não foi suficiente para aquietar minha agonia.

Pensei mais um pouco e uma sensação de frustração foi tomando conta de mim e cada vez mais a pergunta "Mas por que foi que eu fiz isso" aparecia na minha mente sobre diversos assuntos e momentos diferentes. Não espere que no final desse texto eu diga que encontrei as respostas e fiquei satisfeita, porque isso não aconteceu. O que aconteceu foi que aquietei o coração e me dei conta de que se algo que é do passado não pode ser lembrado como aprendizado e abala nossa paz deve permanecer lá pelo tempo necessário até que possa ser digerido com tranquilidade pelo nosso espírito. Não vale a pena gastar tempo remoendo algo que ainda não temos maturidade e sabedoria para superar e compreender.

Mas sobre o que já posso compreender e relembrar com certa tranquilidade, uma coisa me chamou a atenção: os momentos em que minha força se tornou também minha fraqueza.
Percebi que em diversos momentos, fiz escolhas contando com uma força inabalável que eu acreditava ter. Tomei decisões acreditando que o sucesso da empreitada dependia apenas de mim, da minha dedicação, força de vontade e foco. Tentei seguir em frente muitas vezes sem olhar pra mim mesma e para as minhas limitações. Ao mesmo tempo, quando intuitivamente percebia que elas iriam se sobrepor a minha vontade eu girava o curso da vida para outro rumo, fazendo novas escolhas e buscando novas oportunidades. Contando com a mesma força inabalável e a mesma pessoa inatingível que eu acreditava ser. Um ideal de força que consistia em sempre tentar e negar qualquer possibilidade de "não conseguir", mesmo que isso significasse deixar algo inacabado pelo medo da triste realidade do fracasso vir à tona.

Um pouco confuso, eu sei. Mas o que quero dizer é que me chamou a atenção a quantidade de vezes na vida em que fui irresponsável com minhas possibilidades de fracasso. Não, isso não significa que não medi falhas e não pesei bem riscos. Isso significa que muita vezes me negligenciei enquanto pessoa que pode falhar, ou que pode não conseguir. Isso significa que não me dei tempo de vivenciar a derrota e já fui logo me embrenhando em novas tentativas e possibilidades, que pareciam mais atraentes quando as anteriores davam ares de não correr exatamente como o planejado.

E aí você pode me dizer: Mas isso é positivo, você não desanima, corre atrás.

Tive um professor que dizia que não devemos correr atrás e sim na frente (Não acho que leia esse tipo de coisa doida, mas um beijo pro senhor, Seu Luís!). E além de concordar com isso, ainda acrescento que se sempre corremos muito atrás de algo não conseguimos ver o que está adiante disso e principalmente não conseguimos simplesmente parar e observar o que está ao nosso redor.
A questão é que se nos jogamos desenfreadamente em coisas que podem dar certo, sem aguardar até que realmente deêm certo ou não, perdemos a possibilidade de saber o que nos aguarda adiante, o que realmente aquela oportunidade tem a nos oferecer.
Não se tratar de bancar o comandante do Titanic e afundar em atrássem futuro. Mas apenas de assim como as aves, sobrevoar novos horizontes sabendo que precisará pousar para fazer seu ninho.
Se trata de ir, mas ir até o final e principalmente de se dar o privilégio de fracassar algumas vezes.
Se nos achamos fortes demais ao ponto de não querer olhar nossos fracassos e dificuldades, ao ponto de não conseguir dizer "eu não consigo dessa forma" ou "eu não estou pronta para isso", nos tornamos cada vez mais frágeis.

A força forjada de fora para dentro se torna fraqueza no momento em que nos impede de olhar as fissuras de nossa alma, nos deixando assim sem ter como preenchê-las. Uma força falsa, que cansa, desmotiva, suga e enfraquece a cada nova empreitada em que não podemos falhar.

Bem, como eu disse, não achei resposta, mas o coração fica mais tranquilo e a sensação de ter coisas inacabadas menor.
Se não as completei nas devidas épocas, finalmente agora começo a dar um fim ao que me impedia de encerrá-las.
Começo a me sentir menos forte e consequentemente menos fraca para poder olhar para trás e entender o que realmente significaram, se tiveram importância, se merecem ser retomadas, se não foram nada demais, se eu realmente consegui, se não consigo, se quero ou se posso retomar algum projeto.
E se for escrever novos projetos que sejam porque os antigos não me servem mais e não porque me assustam.