sábado, 28 de março de 2015

Achado

Às vezes quero poesias de fora
Quando as de dentro não têm palavras
Tem dias que caminho sem rumo, fazendo questão de perdê-lo e encontrá-lo nas esquinas
Certas horas esbarro comigo
Em outras me perco de mim que nem criança que solta a mão da mãe na feira

O desespero não faz mais em mim lugar de pouso
Sigo sempre e vôo tanto que não me alcança
Não se assenta em mim
Trago uma paz que também não demora, mas vem e vai, fica e parte todos os dias
Mas está aqui
Das paixões carrego saudades, mágoas e lições de nunca mais voltar
Da saúde um medo, uma descrença, uma certeza científica de que tudo é incerto e subjetivo
Da fome não tenho memórias, mas ouço vozes que ferem e me abrem os olhos pra ver

Vazio
Este poema é vazio.
E não tenho intenção de não sê-lo se nada do que sinto hoje se explica pra mim
Me ocupo de por para fora esse bolo de coisas que não compreendo
Olhá-lo, dissecá-lo, revirá-lo e jogá-lo fora se não me parecer que serve
Não é você minha preocupação, não é você meu objetivo
Hoje eu sou centro de mim e me jogo numa busca perdida para sair daqui

A cada palavra que escrevo menos entendo e mais me perco
A cada frase que acabo menos sentido me faço
E mais me jogo pra fora e mais me vejo e mais me perco
Caminho em círculos e encontro os mesmos pensamentos
Dissimulo nas horas como se não me fizessem falta e mais me perco

E mais me perco
E mais me cerco
E mais me tenho
E mais me erro
E mais me vivo
E mais me enredo
E mais me perco
E mais me perco.

domingo, 22 de março de 2015

A realidade por trás da tentativa de proibição dos sacrifícios animais nos cultos religiosos

Não me causa espanto um projeto de lei que proponha proibir o sacrifício de animais em rituais religiosos. É um desdobramento previsível em um cenário político dominado pelo conservadorismo, racismo e por tentativas de imposição religiosa.
A suposta idéia de proibir o sacrifício supondo alguma política de proteção aos animais demonstra claramente como em uma sociedade desigual, preconceituosa e punitiva o uso das leis é predominantemente feito com o intuito de reforçar essas desigualdades. Traduzindo: as leis para brancos e para a cultura dominante são de uma forma e para negros e culturas não brancas são de outra.
A primeira coisa que precisamos entender é a seguinte: em uma sociedade laica ninguém é obrigado a ter a mesma visão espiritual sobre os animais “irracionais”. Ser vegetariano é uma opção individual. Então, vamos partir do princípio básico de que TODAS as pessoas têm direito a se alimentar de carne. Visto isso vamos lembrar o que na nossa realidade significa se alimentar de carne.
Alimentar-se de carne significa comer um animal. E para comer esse animal é preciso que ele esteja morto. Até os animais irracionais carnívoros matam suas presas para comê-las. Parece óbvio, mas para as pessoas que julgam o sacrifício animal nos ritos religiosos não é. A dificuldade de entender essa simples questão de matar para comer vem da intolerância religiosa, da discriminação e do preconceito que pressupõe quais crenças devem ser consideradas corretas e aceitas ou não.
Em geral nas religiões de matriz africana acredita-se que o processo de fortalecimento do espírito passa pela alimentação de diversas fontes de energia que podem ser minerais, vegetais ou animais, de acordo com os símbolos da cultura envolvida, o que ficou popularmente conhecido como oferenda. As oferendas envolvem não só o consumo dessas fontes de energias, mas também os rituais e as crenças de quais seres precisam realizar esse consumo. Rituais e crenças que envolvem o reconhecimento dos animais como seres com propriedades divinas e que por isso merecem ritos de demonstração de respeito e permissão para seu consumo.
O intuito aqui não é promover um esclarecimento sobre a simbologia das religiões de matriz africana, mas sim de mostrar que a tentativa de proibir o sacrifício de animais em rituais religiosos não visa à proteção dos animais e sim a criminalização do culto religioso. Nunca houve a proposta de se proibir o consumo de animais, mas sim o ritual religioso através do qual ele se desenvolve. Palavras como “crueldade” e “sofrimento” são usadas com o objetivo claro de moralizar as religiões de matriz africana, de atribuir a seus ritos ares de maldade e de julgar seus valores e crenças como ruins ou errados. E todos nós sabemos muito bem que essa é uma estratégia de dominação, de imposição cultural, racismo e intolerância religiosa.
Além de desrespeitar os valores e crenças de uma cultura religiosa essa tentativa é um esforço claro de moralizar um processo de consumo que é comum a toda sociedade, pois de uma forma geral toda a sociedade se alimenta de carne animal e mata animais para isso. O que os indivíduos que propõe a proibição do culto religioso tentam nos dizer é: você pode comer carne animal, mas não pode rezar, cantar ou matar esse animal com suas próprias mãos, ou seja, não pode expressar sua fé e principalmente, não pode baratear o custo desse consumo ou deixar de pagar por ele aos grandes produtores.
Se a preocupação fosse realmente com códigos de proteção ao animal seriam aprovadas leis para regulamentar a forma absurda como animais são criados nas grandes propriedades rurais. Nesses locais animais são criados totalmente presos, sem nenhum contato com o ambiente natural, forçados a reprodução e têm sua estrutura totalmente alterada por “anabolizantes” e medicamentos. O intuito dessa manipulação toda é baratear o custo de criação desses animais e aumentar ao máximo seu rendimento para se ter o maior lucro possível com sua comercialização. Os processos que envolvem a criação de animais nas indústrias de alimentação já foram apontados por organizações de proteção aos animais como absurdos e cruéis e inclusive prejudiciais a saúde humana em alguns casos. Mas a crença envolvida nesse caso é a do lucro e essa nunca é questionada.
Entra aí outra questão que incomoda os grandes produtores, referente ao sacrifício animal que acontece nos cultos religiosos: em geral os animais utilizados para consumo são oriundos de aviários de pequeno a médio porte, regionais ou até de criações caseiras. Essa relação direta entre pequenos e médios produtores e consumidores não é interessante ao agronegócio que tem interesse de dominar o mercado. E só para reforçar, sabemos que essa dominação do mercado de alimentos define inclusive quem na nossa sociedade pode ter privilégio de comer carne.
Com esses poucos argumentos já entendemos aqui que a questão de legislar sobre o sacrifício de animais nos cultos religiosos envolve interesses de grandes empresários reforçados pelo apoio de fundamentalistas religiosos que tentam violar o princípio básico de um estado laico para aumentar seus lucros e impor suas crenças. Eles alegam equivocadamente o intuito de proteger a vida animal, para na verdade retirar o direito à liberdade religiosa e se livrar das tentativas de produção econômica “desvinculadas” das grandes cadeias produtoras de gênero alimentício. Uma iniciativa intolerante, opressora e exploradora para obter lucro e violar direitos.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Falando aqui, entre nós.

O vídeo "Não tira o batom vermelho" é ótimo e me fez pensar e tomar uma decisão importante.

Eu resolvi que não quero só compartilhar, mas aproveitar pra dizer que já vivi um relacionamento abusivo.
Já vivi um relacionamento onde era inferiorizada, constrangida, controlada e pressionada todo o tempo para não sair dele.
Eu só queria dizer para vocês que não, eu não gostava. Eu chorei muito. Me afastei de amigos, deixei de fazer coisas que eu gostava e criei dificuldades para me relacionar que refletem até hoje na minha vida pessoal.
A violência não precisa ser física pra causar estragos. Humilhar, desmerecer, ridicularizar, infantilizar: tudo isso faz mal e é o que chamamos de violência psicológica.
Hoje eu sei que não era amor. Eu achava que ele era a melhor pessoa do mundo e que eu, por todos os defeitos e incapacidades que tinha, que não conseguia ser boa o suficiente para merecer mais consideração. Eu achava que precisava ser melhor para que ele me tratasse bem e me respeitasse, eu tinha que fazer por merecer.
Eu me sentia feia, infantil, burra, sem cultura, desinteressante. Nem as bobeiras e piadas que eu amo contar (mesmo que ridículas e sem graças..) eu fazia ou contava. Eu pensava em cada palavra que ia dizer, em cada assunto que ia puxar, em cada gesto. Ser natural me deixava em pânico e durante muito tempo eu nem sabia mais como eu era de verdade. Eu só tentava ser do jeito que achava que ele ia achar certo, que ele ia gostar. E por mais que eu tentasse ele nunca achava. E eu sempre era a "pretinha" (num diminutivo sarcástico) da qual o nome muitas vezes vinha seguido ou antecipado por um deboche, ou uma repreensão. E eu aceitava porque tinha uma grande vergonha de ser eu mesma que já tinha sido plantada por uma sociedade racista e por uma adolescência marcada por bullyng e por todo o peso que o racismo tem na construção da autoestima de uma jovem negra. Pois é, para piorar as coisas se somam.
Todas as vezes que eu terminava (e foram muitas) eu recuava achando que o problema era comigo. Eu que era a infantil, maluca, descontrolada, que não ficava satisfeita com nada. O problema jamais seria não ter um relacionamento com troca, amizade e respeito.
Na relação sexual isso ficava claríssimo, eu me esforçava imensamente para satisfazer as vontades do outro enquanto quase 90% das vezes não tinha realmente prazer. E eu achava que prazer era dar prazer ao outro. Porque isso faz parte do amor: se doar e ficar feliz com a satisfação do outro. Era minha missão, mesmo que eu não quisesse. E não precisava de força para me obrigar a cumpri-la, porque a pressão psicológica já era forte o suficiente. Se eu já não fazia nada certo não podia deixar de fazer uma das poucas coisas que ele aprovava, e fazer muito bem.

Foram alguns anos entre idas e vindas. E até hoje ainda me pego pensando que eu sou maluca quando exponho para algum parceiro alguma coisa que me incomoda ou não me faz bem. Sempre por pelo menos um momento acho que tô fazendo a coisa errada ao ser sincera nos meus relacionamentos e que isso vai ser pior e vai estragar tudo. Sempre acho que se for eu mesma, de verdade mesmo, eu vou perder.

Violência psicológica deixa marcas, às vezes mais profundas que a física. E superar é um processo. E eu tô contando aqui porque já passei por muitas fases: de negar, de enxergar, de não saber o que fazer, de querer superar mas não ter coragem, de entender, de resolver enfrentar, de assumir... E agora de compartilhar, porque eu não preciso ter vergonha de um problema que não era meu.

Antes eu achava que era maluca. Hoje eu tenho certeza. Porque numa sociedade racista, machista e cheia de padrões de comportamento (e de sofrimento) se arriscar a se respeitar, tentar ser feliz e se amar do jeito que se é não é lá coisa de gente "normal".

Continuo daqui naquela velha história de preferir ser uma metamorfose ambulante. Lembrando com respeito dos tempos de lagarta pra curtir ainda mais a vida de borboleta.

Agradeço a quem leu. :3

Sem mais por hoje e muito, mas muito mais leve. :3
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Link do vídeo "Não tira o batom vermelho" :
https://www.youtube.com/watch?v=I-3ocjJTPHg