quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Relatos da minha Ansiedade

Hoje eu queria falar sobre nossa mente, aliás sobre a minha.
Não é algo que eu goste muito de comentar, mas eu tenho/tive (recaio sei lá) transtorno de ansiedade.
Sempre fui muito pilhada com tudo, sempre quis planejar tudo, estar preparada pra não ficar triste com os resultados ruins. Em parte isso vêm de algumas dificuldades na infância que me causaram certas frustrações.

A questão é que depois de aprofundar mais meus estudos e militância preta, comecei a ter crises de ansiedade. Por ter uma rinite que não me larga, a alergia foi meu start e eu simplesmente achava que minha garganta ia fechar e eu ia morrer. A esse pensamento juntavam-se os sintomas mais comuns da crise de ansiedade: falta de ar, tremor, taquicardia, tontura, mãos geladas e principalmente medo.

Na primeira vez fui parar na UPA porque achava que ia desmaiar, que ia morrer e que estava em crise alérgica, depois de uma série de espirros - mesmo espirrar sendo parte da minha rotina. A médica me explicou que minha garganta não fecharia por esse tipo de alergia, explicou como seria caso isso acontecesse com alguém, me recomendou um alergista pra eu fazer um tratamento contínuo e me disse para ficar tranquila.
Eu não acreditei. A mente da gente é capaz de construir um laudo perfeito, de forjar sintomas, de puxar lembranças de fatos soltos e montar um quebra-cabeças que faz a resposta de uma clínica-geral parecer furada.
Seguiram dias de crise, ou melhor, noites. Às vezes com alguns intervalos, em alguns dias eu estava bem. Mas quando chegava em casa a noite e todas dormiam meus sintomas começavam. Um dia na academia tive uma queda de pressão e quase desmaiei, afinal sempre comi mal antes de ir pra academia. Mas foi mais um fato pra minha mente reforçar a idéia de que eu poderia morrer a qualquer momento. Já não podia ver cenas fortes de novelas ou séries, nada que remetesse a situações de angústia, medo ou tensão. As cenas da Grazi na cracolandia naquela minisseria da TV por exemplo já me davam falta de ar. Um ator chorando, alguma notícia sobre doença, qualquer sentimento mais tenso era absorvido por mim rapidamente.
Eu, como passista, antes das apresentações tinha que controlar o meu pânico e a idéia de que eu ia passar mal, de que eu estava sem ar, de que eu ia morrer, de que eu não podia sambar porque meu corpo não ia aguentar. Eu ficava tão nervosa que não conseguia curtir, só queria que acabasse logo.
No ônibus as vezes pensava que ia passar mal e que no meio da Avenida Brasil não ia dar tempo de ninguém me socorrer. Precisei viajar de avião a trabalho e ficar em um hotel onde as janelas não abriam e quase saí no meio da madrugada de um hotel em outra cidade, porque não conseguia respirar. A volta do avião foi um tormento e 1 hora pareceu uma eternidade de pensamentos ruins.
Quase ninguém sabia quando eu estava em crise. Na maioria das vezes ou eu estava sozinha, ou tinha vergonha de comentar, ia ter que explicar muita coisa.

Depois de um tempo, por achar que eu tinha algo marquei clínico-geral e marquei alergista.
Mas antes disso, em um dia de crise fui em uma emergência: tinha os mesmos sintomas e o medo gigante de morrer.
O clínico que me atendeu me disse: "você pode ter alergia, mas esses sintomas indicam transtorno de ansiedade.". Me indicou um psiquiatra, me explicou que não tinha nada a ver com ser maluca, me falou sobre possíveis causas. E disse para eu ir na consulta e fazer os exames que tinha marcado, pois sabia que só a palavra dele não seria suficiente para minha ansiedade.
Saí do consultório atordoada. Me senti fraca. Me senti uma mulher frouxa que não segura a onda dos problemas da vida. Sempre a menorzinha, a bonitinha, a menininha que tinha bronquite e se comportava igual a uma mocinha, depois a braba, a marrenta, a que dá nó em pingo d'água, a que corre atrás, que faz e acontece. Eu não fazia a menor idéia de onde estavam todas essas. Eu só vi uma pessoa fraca, que um médico, embora com muito cuidado e atenção, falou que tinha um transtorno. Eu fiquei com muita vergonha também.

Depois do choque da notícia, passei a perceber que realmente meus sintomas tinham hora e situações para aparecer. Percebi também que quando eu estava distraída com alguma coisa eles sumiam. Percebi que de todas as noites que eu estive em pânico com a certeza de que ia morrer eu domi, vencida pelo cansaço e acordei viva. Comecei a me desafiar a me equilibrar e foi dando um pouco certo. Mas para ficar mais tranquila eu precisava ter a certeza de que estava bem. Fiz exames e principalmente o teste da alergia, que afastou a idéia de alergias alimentares, que eram meu maior medo. Eu cismava que qualquer coisa que estava comendo poderia me dar uma reação alérgica grave, mesmo sendo coisas que eu sempre comi: abacaxi, camarão, ovo, tempero, alho. Eu parei no meio de várias refeições e joguei a comida fora por medo de acabar de comer.

Enfim, exames feitos, comecei a fazer um esforço mental enorme. A fé nos orisás também me ajudou muito. Falando de mente a parte racional e objetiva apenas não daria conta. Me afastei de certos tipos de espaços políticos e de discussões. Desisti de acreditar em certas atitudes e estratégias. Abandonei em parte minha postura de militante. Compartilhei com algumas pessoas em busca de apoio e acolhimento, mas sinceramente não encontrei muito. Acho que por ansiedade ser uma palavra normal ninguém leva muito a sério. Algumas pessoas achavam frescura, outras que era só "superar" ou "não pensar nessas coisas". Em casa eu não quis falar muito sobre, pra não preocupar ninguém. Um ex me ajudou em certos momentos, mas quando se separa tudo se acaba e certos relacionamentos acabam se tornando pontos de fragilidade e tensão que levam justamente à.....ansiedade. Duas grandes amigas me ouviam e se preocupavam, mas nem sempre eu tinha vontade de compartilhar, de pedir ajuda ou de falar "Estou passando mal, será que você pode conversar comigo?". Dava vergonha.

Enfim, a trancos e barrancos melhorei muito. Melhorei minha alimentação, mudei certos hábitos e posturas, passei a desenhar mais, voltei a compor e cantar, cantar muito. Passo dias sem me ligar nisso, sem ter pensamentos assustadores. Mas as vezes, em épocas de muito stress ou tristeza minha ansiedade sai do controle de novo.
Agora é muito mais fácil me controlar e superar os sintomas. Mas ainda é um exercício.
Nos últimos dias trabalhei muito, estou com muitas preocupações, lembranças, expectativas. O dia foi difícil, cansativo, corrido. Agora a noite fui comer e novamente os sintomas vieram a tona. Já no preparo pensei "mas e se me der alergia". E me respondi "mas você não tem alergia a isso. Aliás vc comeu anteontem, lembra?". E aí fiz a comida, comi e no final do prato cocei a mão. Rapidamente pensei numa reação alérgica e senti algo na garganta. O medo voltou..Tremor, suor frio. E todo o exercício recomeça: observar que tudo o que estou sentindo se deve a minha reação de pânico. Me acalmar para que passe. Apelar pros resultados de exames, pra saúde que tá em dia. Olhar pra mim e assumir que estou cansada, que fico triste, que estou com medo de um monte de coisas e na expectativa de um monte de outras coisas.

Eu sei que esse texto ficou enorme e que não tem nenhuma graça, nem nenhuma teoria diferente, nem nenhuma opinião sobre nada. Mas hoje, eu resolvi tentar mais uma coisa pra me ajudar a controlar meus sintomas. Ao longo desses meses resolvi não procurar um psiquiatra, mas buscar outros aconselhamentos e terapias (Não quero induzir ninguém a fazer o mesmo, é uma decisão delicada, que precisa ser acompanhada e muito avaliada, cuidem-se!). Estou me experimentando, me cuidando, me entendendo aqui comigo e me ouvindo em todos os sentidos. Estou aprendendo a respeitar meu sentimento sem julgar a intensidade das minhas reações, estou me respeitando, me adaptando. E isso não tem nada a ver com a falsa idéia de se amar e ser plena e completa. Tem muito mais a ver com a idéia de se reconhecer humana, limitada, com necessidades e sentimentos.


A comida estava ótima, coloquei um molho bacana. E eu também nunca tive alergia a molho. Eu não tenho alergia a essa comida, nem ao molho, nunca tive e não vou morrer por causa disso hoje. Eu já repeti isso pra mim várias vezes ao longo desse texto.

Enfim, acho que agora consigo dormir. Amanhã acordarei bem de novo. Escrever faz bem, sempre fez.