sexta-feira, 26 de agosto de 2016

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Quanto mais nos esforçamos para "construir" e "desconstruir" dentro dessa sociedade mais ficamos incapazes de desenvolver uma perspectiva preta.
A "integração" é uma das formas mais cruéis de castrar nossa força de luta porque nos coloca em constantes situações de "escolha" nas quais somos levadas a ceder para ajustar nossa necessidade a da coletividade. Coletividade essa leia-se supremacia branca. Somos forçadas a relevar, a compreender, a calar, a aceitar o menos mal, a ter cuidado para não magoar a outra ou outro. Artimanhas dissimuladas para que possamos até nos indignar, mas não tanto. Para que possamos nos colocar como pretas, mas até aonde interessa.

É impossível construir ou descontruir um povo que tem como base a exploração de outro.
A negação de todos os direitos do povo preto é feita dentro dessa sociedade eurocêntrica, em todas as instâncias: seja por quem se considere conservador, como por quem se considere revolucionário. E o fato de negar não significa que um dia poderão nos "conceder", mas sim que sempre se reinventarão para continuar negando.

A intelectualidade preta sofre ataques dos mais repulsivos pelos setores ditos revolucionários brancos. Todos os movimentos sociais têm medo da auto-organização preta. Afinal, perderiam suas massas de manobras, sua força bruta. Perderiam quem no desespero de ter seus direitos e vozes calados soma com todas as suas forças esses espaços que se intitulam "a única opção" ou ainda "a melhor saída". Perderiam quem engrossa seus discursos de que "está ruim pra todo mundo". Perderiam seus casos trágicos, suas histórias de superação, suas vírgulas do "mas no caso dos negros é ainda pior". Perderiam muito nas suas disputas de poder dentro da sociedade da qual fazem parte organicamente. Então, a demonização do pensamento preto afrocentrado e de qualquer referência que venha de África e não inclua os processos e interesses brancos é a melhor forma de manter os corpos pretos a serviço da branquitude.

Existem incontáveis provas de que a revolução branca não nos inclui e de que nenhum movimento social é realmente integrador. Não vou me deter neles, basta abrir os olhos e pesquisar. Aliás, existem fatos óbvios de que a integração é uma falácia usada na mesma proporção da idéia de paraíso pós-vida usada pela fé cristã para a dominação e construção de consenso.
Nos dar conta dessa mentira e dessa impossibilidade de "aliança" é um processo doloroso, decepcionante e inclui reagir de uma forma diferente às "escolhas" que nos são dadas como óbvias. É um processo mais difícil, novo para a maioria de nós que nunca se deu o direito de pensar que poderia ser mais e que tem um lugar para si, um pensamento seu e todo um povo seu também. É um ato de coragem que não precisa começar cheio de definições, teorias e julgamentos, mas sim de confiança em uma história milenar de conquistas e lutas. É um ato que só acontece junto com o esforço de se reconectar a ancestralidade e deixar que venham à tona todas as certezas já marcadas em nosso íntimo sobre todas as mentiras, apropriações e violências que sofremos em todos os espaços da branquitude. É um ato que precisa ser, precisa acontecer, o mais rápido possível.

Bom dia.