terça-feira, 11 de setembro de 2018

A barriga e as bruxas


Fazia tempo que não dormia uma noite inteira. Todos os dias ouvia os pássaros cantando antes do amanhecer. Uns dias mais cedo, outros dias mais tarde. Mas todos os dias ouvia e assim as vozes de penas já não traziam o frescor de um novo dia, apenas lhe lembravam do cansaço. Todo anoitecer era mais um desafio do que um alívio. Uma sensação estranha gerada por tudo o que não tinha acontecido naquele dia e tudo o que aconteceria no próximo, ou não. Os dias passavam, sem que ela celebrasse conclusões ou respirasse encerramentos. Um eterno aguardar dos próximos momentos e vozes de pássaros pela manhã.

De todas as perguntas que havia feito nos últimos tempos já tinha se perdido entre as que eram importantes, as que não foram respondidas, as que trouxeram algum conforto e as que iriam continuar eternamente sendo perguntas. Não sabia o que fazer com as respostas e nem se queria mais delas. Afinal, por mais respostas que encontrasse, mais perguntas apareciam. E nunca vinha a paz ou o entendimento. Se via num eterno mar de questionamentos, uma maré de inquietações que nem movimento de maré tinha, pois parecia sempre cheia e transbordante, nunca baixa.

E assim seguia sendo espera, maré cheia, transbordante de tudo que lhe fazia parte. Cansada, “conflita”, conformada, latente, quase um encantamento inacabado em forma de gente. E por mais lua cheia que se sentisse, era na verdade sempre crescente.

Crescia-lhe não só a barriga, mas tudo mais que era possível e impossível acima dos limites do corpo. O estranho, o novo e o assustador se misturavam com o doce, o suave e o delicioso através de pessoas, de fatos, de sensações e descobertas. Havia virado bem mais caminho do que destino. E se conformou em estar assim: processo e não resultado, em parte e não mais inteira.

Foi visitada por boa parte dos sentimentos que todos conhecem e por uma parte significativa dos sentimentos que nem todos irão conhecer. Não precisava estar aberta a eles, era invadida. Descobriu que ao contrário dos sentimentos, que eram inevitáveis, pessoas podiam ser evitadas, mas isso não era menos desafiador e apavorante. Foi então visitada por sete bruxas em sete tempos e teve sete respostas para perguntas não feitas.

A primeira bruxa chegou em uma tarde amena, sem cor e sem muito movimento. Trouxe palavras duras, acusações e declarações de amor. Jogou tudo sobre ela, tirou-lhe todo o ar e todo o chão. E a lição que lhe deixou foi dura, tanto quanto é necessário ser duro um pilar de sustentação: “Somente você sabe o que você sente e o que você passa, ninguém mais. Por mais amor, ou ódio que lhe tenha.”

A segunda bruxa apareceu como o inesperado de uma estrela cadente que não desaparece. Trouxe o inacreditável, o improvável e contrário do que a razão estabelecia, o oposto do que tentavam lhe fazer desacreditar. Colocou sobre ela a proteção diante dos que tentavam manipular sua natureza. E mesmo sem que ela percebesse logo, abriu a jaula de seus instintos e possibilidades. Deixou uma lição complexa e transformadora: “Você não é sua escrava, mas sim o espaço potencial de todas suas realizações. Ninguém, nem mesmo você pode estabelecer impossibilidades sobre isso. Você é sempre possível.”

A terceira bruxa caminhou na sua direção com a rapidez de um raio. Despejou toneladas de apavoramentos e solidões. Tirou-lhe o sono, as certezas, a confiança extrema. Mostrou a ela que tudo podia ser, ou não ser e que na dúvida deveria se questionar sempre, mesmo com medo da resposta. Costurou nela uma parte de responsabilidade por tudo, exatamente tudo, que lhe ocorria, ao mesmo tempo em que deixava soltas as pontas e meios que não eram da sua competência. A lição estranha conseguiu ser ao mesmo tempo simples e difícil: “Você tem o poder de escolher tudo, mas de dominar por inteiro nada. Por mais controle que tenha, por melhor que faça, nada está totalmente em suas mãos. Isso não é bom nem ruim, é apenas o jeito como as coisas são.”

A quarta bruxa fluiu para ela soberana do incompreensível e inquestionável tempo que todas as coisas levam pra ser. Não chegou, nem foi embora, apenas esteve para mostrar que o que acontece, simplesmente acontece, num fluxo nem sempre determinável ou visível. Envolveu-lhe num emaranhado de momentos, “pode-seres” e “incertabilidades”. Transbordou-a com os possivelmentes e dificilmentes que como frutas só poderiam ser consumidos após amadurecer. Mostrou-lhe a lição mais conhecida e menos acreditada da natureza: “O tempo é necessário para tudo e tudo que se faça para abreviá-lo ou controlá-lo é apenas uma ilusão que ele por bondade permite aos que não conseguem compreendê-lo.”

A quinta bruxa foi tornado. Intensa, revolta, destruidora. Atingiu-a com a voracidade dos pensamentos alheios, tentou soterrá-la com as achices e más resoluções dos outros. Empurrou certezas externas sobre suas certezas, tentou aplacar sua fé, mexeu com cada centímetro da sua estrutura de confiança no ser humano. Abalou sua empatia, sua solidariedade, seu altruísmo. Pegou algumas de suas belas sementes e plantou em terrenos inférteis, mostrando que nem sempre vão florescer. E por mais cruel que possa ter parecido, a fortaleceu imensamente. Ensinou que: “Nem tudo que se oferece se recebe e não é errado não desperdiçar o que se tem bom com quem tenta retribuir com o que é ruim. Auto-proteção não diz respeito a negar ao outro e sim a não negar a si mesma.”

A sexta bruxa, como após toda tempestade, foi calmaria. Silêncio. A possibilidade de simplesmente não ser nada além do necessário. De assistir aos desfechos, ouvir as conversas, esperar as decisões e apenas seguir os mapas já desenhados. Empurrou-a ladeira abaixo pras chegadas desconhecidas, num entremeio feito de caminhares e “aguardes”. Sem dor, sem sofrimento, apenas de “esperações”. A sutileza da sua lição não a simplifica nem de longe: “É melhor apenas caminhar para um rumo desconhecido do que correr afoita em um sentido errado.”

A sétima e última bruxa foi portal. Dimensão aberta de histórias que serão escritas. Botou em seu colo um mundo de acontecimentos que nunca houveram e que não se sabe se haverão. E deixou espaço pra mais um mundo deles, inimagináveis, mas possíveis. Choveu ansiedades, ventou medos, molhou convicções, orvalhou fé, germinou esperança. Assim como todas as outras, mas mais do que elas - por ser um pouco da cada uma -, é presença, continuidade. Uma não concretude, rica de tudo que poderá ser. De todas as dores e alegrias que poderão se tornar. De tudo que só através dela poderá existir, ou não. Assim como ela sua lição não é ponto final, mas sim papel em branco: “Uma infinidade de coisas pode acontecer ou não. Você só poderá saber sobre elas quando passarem a ser realidades concretizadas ou não vividas. Não se pode aguardar uma infinidade e muito menos sofrer por ela.”

Seguiu lua crescente, as vezes sentindo-se cheia, comemorando as chances de ser nova após cada momento em que parecia ser minguante.






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Imagem retirada do Blog: ilealaketuasebabaonanlayo.blogspot / Autoria desconhecida

sexta-feira, 13 de julho de 2018

"Aproveita pra dormir"

"Aproveita pra dormir."
Toda vez que tenho insônia essa frase ecoa na minha cabeça. Mas não me sinto culpada. Junto com todos os sentimentos estranhos e mal estar que uma insônia traz surge uma certa raiva. Uma vontade de quebrar o silêncio da madrugada e gritar " Mas será que é tão dificil entender? Por que eles fazem isso?"

Uma amiga me falou um dia que eu era muito segura na gravidez, "ah, mas vc não tem medo". Eu disse que não era bem assim, que tinha muitos. Mas na hora foi mais por impulso e humildade. Depois comecei a pensar sobre o medo. Sobre o mar de medos que é a gravidez.
Acho mesmo que o medo é instinto de sobrevivência, necessário, vital. A questão é quando esse medo se transforma num mar de angústias e ansiedades. O risco de perder o trabalho, o risco de perder o companheiro, o risco de nao tomar decisões certas, o risco de não saber o que fazer, o risco da dor, o risco de perder o bebê, o risco de deixar de ser livre e feliz...Riscos as vezes reais, mas muitas vezes forjados pela gente e pelos outros.

Quando eu e outras mulheres batemos tanto na tecla do cuidado ao falar com uma grávida estamos falando sobre algo muito alem de "falta de noção". Estamos falando sobre respeito, cuidado e sobre palavras que podem causar marcas tão profundas que são capazes de mudar o destino de mães e bebês pra sempre.
Muitas mulheres não se darão conta desses impactos e apenas vão seguir influenciadas em sua liberdade de escolha pelas verdades irrefutáveis jogadas sobre elas. Algumas com um maior grau de sofrimento, outras com um grau "menor". Muitas tentarão construir livremente sua maternidade, ignorar as amarras, nao olhar pros lados no trem fantasma que a sociedade monta ao redor das grávidas. E esse último talvez seja mais solitário e igualmente dificil.

A gravidez é inevitavelmente um tanto solitária, por mais apoio que se tenha.
E o medo faz parte da parcela indivisível que a gente carrega.
Ninguém pode sentir como nós. Nem outra grávida com exatamente o mesmo tempo de gestação. Nem o pai do bebê. Nem a amiga mais íntima ou a mulher mais experiente. Assim como a dor do parto é incomparável, inexplicável, incompartilhável.
É algo com que teremos que conviver. Canalizar como fonte de energia e potencializar como estratégia de defesa.
Já que é só nosso que seja moldado e limitado por nós e ninguém mais.


Mas não era pra ser um texto e sim pra ser só mais uma insônia. Porque aproveitar pra dormir nem sempre é possível.

domingo, 27 de maio de 2018

Sexualidade na gravidez: Transar é bom e a gente merece, mas não é obrigada

Bom, queria lembrar que não sou especialista em nada: nem médica, nem doula, nem enfermeira, nem sexóloga. Aliás, eu apenas sou especialista em ser curiosa e ficar me fazendo perguntas sobre tudo o tempo todo. E a gravidez é um campo fértil (sem trocadilhos..rs) para muitas e muitas questões novas.


Venho pensando muito sobre a sexualidade das mulheres na gravidez e, como acho que muitas de nós refletem pouco sobre nossa sexualidade em geral, resolvi compartilhar e por que não, dar umas dicas. Estou muito longe de ser super resolvida e acho que cada uma tem seu ritmo em todos os sentidos, mas..... Falar de sexo é sempre bom né?!



Primeiro ponto e eu acho o mais importante: Não somos obrigadas a nada!
Nunca fomos e nunca seremos. Essa idéia de que a mulher precisa satisfazer um parceiro é um absurdo e uma grande falta de respeito. Mas é quase uma regra em relações heterossexuais. A gente é educada logo cedo a “dar conta” do companheiro, porque se não der conta ele vai arrumar alguma mulher que dê. Isso é tão agressivo e cruel, que chega ao ponto de tornar estupros dentro de relacionamentos afetivos "aceitáveis e justificáveis" pra sociedade.
Infelizmente, acho que se todas nós mulheres cutucarmos a memória com sinceridade, vamos lembrar de pelo menos uma ou duas vezes em que fizemos sexo sem vontade, pra agradar o parceiro. Infelizmente eu acho que se pararmos pra pensar vamos lembrar de um número muito maior de vezes em que fizemos isso. E se a gente parar mais um pouquinho vai lembrar de como é ruim. Mesmo que não envolva uma postura “violenta” do outro, é dolorido e invasivo.


PRIMEIRO TRIMESTRE E O ZERO A ZERO

No primeiro trimestre da gravidez é comum a gente ficar uma bagunça. Na verdade a gravidez inteira. Mas pra muitas mulheres e eu me incluo nessa, o primeiro trimestre é a fase dos medos e do mal-estar. A gente ta aprendendo a se acostumar com a idéia de que tem uma coisinha crescendo dentro da gente. Muitas vezes está morrendo de medo de perdê-la. A gente perde o controle sobre o nosso corpo (que na verdade poucas temos nessa vida corrida) e percebe que vai ter que aprender tudo de novo sobre o funcionamento dele. A gente passa mal, vomita, tem cólicas, outras dores no corpo, não agüenta de incomodo nos seios, tem dor de cabeça, mudanças agudas de humor e mais um monte de incômodos impensáveis que podem variar de mulher pra mulher. Ou seja, por mais que a gente fique radiante de alegria tá sempre beirando o caos.
Agora pense se tesão combina com esse quadro caótico que eu mencionei. Bem, além de tudo isso, as mudanças hormonais nessa fase também podem proporcionar uma queda ( no meu caso eu diria um abismo) na libido. E aí a questão que aparece é: Você não quer transar, mas acha que tem que transar. Sim, porque coitadinho do seu parceiro, ele não tem culpa de nada disso.

Opa, opa péra lá cara pálida! Ninguém tem culpa de nada, estamos falando de biologia, de parceria e de respeito principalmente. Se nossos parceiros tem necessidades sexuais nós também temos e uma necessidade pode ser exatamente não transar. Se não ta rolando a gente precisa ter tranqüilidade pra não se preocupar com isso e não achar que um mês, dois ou três sem sexo vão acabar com nosso relacionamento. Nossos parceiros precisam entender que a necessidade sexual deles não é o centro do universo. Não tem essa de “entender o lado dele” ou “fazer um esforcinho”. Transar por obrigação é uma violência que se torna ainda mais cruel e invasiva na gravidez. Portanto, se o bofe “não entender” ou reclamar o meu conselho é que você explique essas coisas todas que falamos e no caso de insistência na falta de noção mande um prático “foda-se”.

Mas um ponto chave é que, quanto mais naturalidade e tranquilidade a gente tiver pra não transar, mais fácil nossa libido poderá voltar. Isso porque uma mente bem-resolvida é fundamental para uma vida sexual bem-resolvida também. Resumindo quanto mais pressão, mais difícil é gozar, sabemos todas. Prazer não é obrigação e se for importante pra nós, a gente pode buscar novas formas, tempos e possibilidades, mas isso tem que acontecer com respeito por nós mesmas, sempre.


SEGUNDO TRIMESTRE: QUANDO A PERIQUITA PISCA

É muito comum e nada obrigatório que no segundo trimestre a tranqüilidade maior sobre riscos de perdas, a idéia mais concreta sobre a gravidez e mais uma leva de hormônios se somem trazendo a libido de volta. É comum que até mesmo faça a nossa libido extrapolar o de costume. Resumindo, pode ser que role um puta tesão nessa fase.
Eeeee alegriaaaaa!!!! Agora é só vitória! Ou não meu bem.

Pode não ser tão simples pra algumas mulheres conciliar a idéia de ter um bebê dentro de você e um pinto entrando em você. E nem pra muitos homens também. A gente é acostumada com a idéia de grávida sagrada e intocável. Eu até acredito que seja uma fase sagrada, mas isso não tem nada a ver com ser assexuada. E muito menos que a gente não possa ser gostosa e quente na gravidez. Pela mor dos céus, ninguém merece fazer só aquele b-a-bá sem graça por meses. A gente também pode querer sacanagem, usar fantasia, falar palavrão e fazer posição nova. A gente pode tudo que se sentir a vontade e que nos faça bem.
A gente pode também começar a transar animadíssima e enjoar no meio e dormir no meio e chorar no meio do percurso, sem achar que isso vai magoar o parceiro. A gente pode tudo e mais um pouco e quanto mais conversar abertamente sobre isso, mais vai ficar relaxada pra bimbar com gosto até o final da gravidez.

Ao mesmo tempo que tem muito homem que quer forçar a barra, tem muuuito cara que cria um bloqueio quando vê a barriga começando a crescer. As duas posturas são impostas pela mesma cultura eurocêntrica que faz do sexo um território masculino e de dominação, ao invés de um espaço pleno de partilha. É muito comum que algumas pessoas desassociem sexo de respeito e cuidado e por isso não consigam conectar uma grávida a uma transa.

Mas por mais que libertemos nossas fantasias o sexo pode continuar sendo um território de carinho e respeito sim! Ninguém aqui ta falando de papai-mamãe e cama com flores do campo. Dá pra ter tapa na cara e puxão de cabelo, roupa de entregador de pizza e algema com muito respeito sim.
A única coisa que não dá é pra gente reforçar estereótipos e imposições da sociedade e limitar nossos desejos ou “não-desejos”. Até porque, se as pessoas caem naquela conversa fiada de que “o homem tem as necessidades” , deveria ser óbvio entender que uma fêmea cheia de hormônios tem todo direito de dar. E dar com gosto e dar bastante.


TRANSAR É BOM E A GENTE MERECE

Superadas todas as neuroses, construídas relações saudáveis e num intervalo entre um mal-estar e outro a gente pode e deve desfrutar de uma vida sexual prazerosa que vai trazer além de prazer, benefícios pra nossa saúde e pro bebê e até pro tão temido trabalho de parto.
A gente pode experimentar novas posições e novos ritmos e certamente ter mais paciência porque até o fluxo sanguíneo na região da vagina muda, o clitóris fica diferente e até gozar pode trazer uma sensação diferente também. Diferente pra maravilhosa e muito mais intensa, ou só diferente mesmo. Mas.... gozar é sempre gozar né migas...
Volta aquela questão da tranquilidade pra lidar com nosso próprio corpo e nosso tempo e entender que o sexo é algo construído e partilhado e não uma coisa pra ser feita para atingir metas de um lado ou do outro.
Melhor dica que eu posso dar sobre sexo na gravidez é: é pra curtir! E curtir pode ser não fazer, fazer devagar ou fazer muito. Curtir suas vontade, suas não vontades, suas experiências. Sexo é pra trazer bem-estar sempre, com ou sem barriga...
Transem muito, não transem, ou transem uma vez na vida ou outra na morte... Desde que estejam tranquilas e em paz com seus corpinhos e com os corpinhos que estão crescendo dentro deles...tudo é válido. <3


Obs: Ainda estou no segundo trimestre... então quem sabe eu volte pra falar dos ziriguidum aos 45 do segundo tempoo ;)

(Imagem: https://pt.pngtree.com/freepng/cartoon-pregnant-women-vector-material_911914.html)

sábado, 19 de maio de 2018

"Desculpa, mas a mamãe precisa chorar"

Muitos são os estudos e publicações que falam sobre como a tristeza da mãe pode impactar o bebê na gestação.
Essa semana li uma matéria sobre o que o bebê sente quando a mãe chora de tristeza. Uma descarga de hormônios e sensações ruins.


E desde o início da gravidez você escuta que não pode chorar, que não pode se aborrecer, que não pode ficar ansiosa. Você não pode. Mas quase nada no mundo real se empenha para que isso não aconteça. E acaba virando mais uma tarefa da super mamãe: de uma hora pra outra, cheia de hormônios confusos transcender todo os sentimentos angustiantes e situaçoes ruins com serenidade e equilíbrio.

Porque as pessoas não exitam em te magoar, mas se qualquer coisa acontecer com seu bebê a responsabilidade é única e exlusivamente sua, a irresponsável que não soube se controlar.

A questão é que as coisas são muito mais complexas e novas agora. Os pesos são diferentes, as palavras ferem mais. E ao mesmo tempo que a maioria das pessoas insiste em te apavorar diante de uma ideia de "maternidade-sofrimento", insiste em te cobrar a tranquilidade e força de uma heroína.

Não acontece assim. E você se sente culpada até por perder a calma, por chorar, por ficar triste, por deixar que alguém te magoe.
Você tentar se obrigar a não sofrer e focar apenas no que é importante pro bebê, esquecendo que você é o que há de mais importante para ele nesse momento.
Mas se alguém está dentro de você, sentindo tudo o que você sente, não adianta querer mentir ou disfarçar.

Talvez seja o único período em que realmente não iremos conseguir mentir pra nós mesmas.
E talvez seja mais do que importante nem tentar.
E só nos resta acalmar o coração.
Respirar fundo.
E honestamemte dizer:
"Desculpa meu amorzinho, mas hoje a mamãe precisa chorar."

quarta-feira, 18 de abril de 2018

A gravidez muda tudo...

Muda tudo.
Tudo.
Mas até o que tudo significa muda. E por essa a gente nem sempre espera.

Como assimilar que tudo muda pra gente, quando o mundo continua da mesma forma? E que as felicitações e mimos pela gravidez só duram até as cobranças serem necessárias?

Muita gente acha grávidas uma graça e as brincadeiras e apelidos carinhosos se tornam recorrentes até com quem não temos muita intimidade. E logo assim que todos ficam sabendo, os tantos votos positivos e acalantos fazem com que a gente em geral se sinta bem acolhida.

Mas quando a gente vai se dando conta de que tudo está mudando só pra gente as coisas começam a ficar estranhas. Ninguém está sentindo o que você sente e por mais que você explique, nem sempre há como provar aquilo. O enjôo e o vômito são padrão inquestionável. Qualquer um pode ver. É fato. Mas e o mal-estar, a ansiedade, o cansaço, a tristeza repentina (sim tris-te-za) ?

Mas e as dúvidas que tiram o sono e fazem a gente perder a concentração em tudo?

E os hormônios que influenciam a nossa memória e nossos sentimentos com relação a tudo e a todos, dificultando as vezes o simples fato de sair de casa porque a gente não quer ver nem falar com ninguém?

E como, mesmo sabendo que tudo isso é totalmente biológica e psicologicamente real, a gente disfarça pra não ser chamada de fresca, já que a D. Fulana fez faxina e pegou pesado a gestação inteira sem ter nenhum problema?

Como não se sentir mais fraca que a D. Beltrana que tinha dois empregos durante toda a gravidez e só entrou de licença maternidade aos 9 meses?

Como não se sentir envergonhada em pedir alguma exceção ou ajuda pelo fato de não conseguir mais dar conta de tudo sozinha?

Como não se sentir menos capaz por não conseguir entender mais os conteúdos de estudo com a mesma facilidade e com muita dificuldade não ter vontade e nem disposição para estudar assuntos que não lhe sejam extremamente interessantes (leia-se para mim gravidez, saúde, maternidade, bebês e comida)?

O mais confuso não é entender que a gravidez muda tudo. É tentar entender o que tudo vai significar a partir do momento em que a gente está gerando novas vidas. Sim, porque não é só a vida do bebê que está sendo gerada, mas uma vida nova pra gente também.

É tentar entender que as coisas com que muito nos importávamos antes talvez não sejam mais tão interessantes. E isso não é sobre abrir mão do que gostamos, mas sim deixar de dar tanta importância ao que nos incomoda.

É aprender a relaxar um pouco mais pra mergulhar num turbilhão de confusões e tensões novos.

É rever tudo sabendo que você já não vê mais nada como antes.

É um misto de ansiedade e insegurança. Um esperar tudo mudar, sabendo que tudo já está mudando, mas agindo como se nada tivesse mudado ainda.

É tudo muito doido, como diria meu sobrinho de 4 anos. E nesse momento eu acho que essa é a definição mais completa e coerente sobre o assunto.


**Autoria da Ilustração não encontrada. Se alguém souber quem fez por favor me informe para dar os créditos :)

domingo, 18 de março de 2018

A LUTA POR UM PARTO HUMANIZADO COMEÇA ANTES DO POSITIVO

Vivemos em uma sociedade que exige colocar a mulher em um papel materno, mas não quer que ela exerça isso plenamente.
Desde o começo da gestação tentam nos fragilizar de várias formas, seja contando experiências ruins, seja usando o fato de que, por ser uma experiência nova para nós, somos incapazes de fazer nossas próprias escolhas.
Enfraquecer e amedrontar uma mulher na gestação é enfraquecê-la na essência, é tirar no âmbito mais íntimo sua autonomia, é inferiorizá-la, é tentar a todo custo desconectá-la da sua ancestralidade e tirar uma de suas fontes mais poderosas de energia e força.
Não é a toa que se construiu o mito sobre o parto. E não é a toa que tentam a todo custo nos enfraquecer com relação a isso. Parir de forma consciente e ativa é uma experiência única que transforma para sempre o entendimento sobre a vida e todas as suas possibilidades.

Como conseguiram transformar um processo tão natural e fisiológico em um monstro? Como conseguiram transformar avanços tecnológicos que salvariam vidas em armas de destruição do direito básico de poder gerar uma vida e trazê-la ao mundo?

Anunciar uma gravidez traz junto das felicitações e presentes uma ofensiva social que perpetua uma cultura de medo. Medo da gravidez, medo do parto, medo da maternidade. Entre uma e outra frase para amenizar que em geral é "mas vale muito a pena", o discurso é cruel, invasivo e totalmente irresponsável.

As perguntas sobre o parto não demoram muito a aparecer e ao menor vacilo o senso comum já começa a construir sua cama desenhando um parto normal como um sofrimento e um risco. A exceção de precisar de uma cesárea é citada como regra quase absoluta e a hipótese de ter algum problema no seu parto normal é sempre mencionada. Uma sementinha de medo cultivada discretamente e com muito empenho por diferentes pessoas. Uma maldade, pois pra nós, grávidas, cada informação é absorvida agora de forma diferente, cada sentimento sentido de forma mais intensa e assustadora que o normal.

O parto normal passa a ser referenciado unica e exclusivamente pela dor e pelo risco de dar errado. Seus benefícios infindáveis pra saúde, pra conexão mãe-bebê, pro fortalecimento físico e mental da mulher são apagados.
E tentam nos convencer a transformar um dos melhores e maiores momentos de nossas vidas à uma cirurgia. Digo cirurgia, pois a cesárea pode ser um processo tão edificante quanto o parto normal se feita diante de necessidade, com o respeito e o preparo físico e emocional corretos. Mas esse, não é o objetivo, como já disse.

Não consigo entender o prazer de uma sociedade em apavorar novas mães e novos pais ao invés de acolhê-los e respeitá-los para que possam trazer uma nova vida ao mundo com segurança e sabedoria. Não consigo entender como querem que comecemos uma vida de doação e cuidado se já nos pressionam desde o começo a colocar nossas necessidades e medos em primeiro lugar.

Um parto humanizado depende de profissionais que entendam o significado de gerar uma vida com respeito e saúde. Mas depende muito de mães e pais preparados para fazer suas escolhas. Depende de mulheres prontas para exercer sua maternidade como protagonistas e não como meros receptáculo de experiências alheias e palpites.

Se ao longo das gerações a violência vêm se tornando padrão, ter a consciência de olhar pra trás e perceber que certas vivências são mais de dor do que aprendizado se torna necessário. E então, encorajadas por esse discernimento podemos escolher as experiências produtivas e saudáveis para nos guiar. Ou podemos sem medo apenas construir as nossas.
Esse é o poder imensurável que tentam nos tirar desde o começo: o de construir um mundo novo, que seja realmente nosso e bom pra nós.

Minha gestação, meu parto, meu tesouro.

#partohumanizado #direitoamaternidade #maternidadeancestral #maternidadeconsciente #maternânciapreta

domingo, 21 de janeiro de 2018

Chegada

Quando eu chegar, quero ver sorrisos e flores
Quero gritos de alegria e abraços apertados
Quero presentes sem valor e lágrimas nos olhos

Quando eu chegar, quero sentir que fui muito esperada
Quero pensar que não posso ir embora
Quero escutar o quanto eu fiz falta

Quando eu chegar, quero passar todo o tempo mantando saudae
Quero ficar sem saber de outras horas
Quero tentar esticar mais o tempo

Quando eu chegar, quero lembrar como foi dificil a viagem
Quero ver que valeu a pena a partida
Quero saber que não preciso ir embora

Quando eu chegar bem perto de outros corações
Quero que o meu seja porto e navio
Quero ancorar em mar quente de carinho
Quero afogar toda a mágoa e rancor

Quando eu chegar, quero alcançar outros peitos vazios
Quero traçar e ligar mais caminhos
Quero esperar mais chegadas no ninho
Quero morar numa ponte de amor.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Cartas para Babi (2)


Quanto tempo! E como passa o tempo, não é? Dizem que os astros estão mudando e o tempo acelerando. Não sei se é bom, mas confesso que minha ansiedade agradece um pouco.

Sabe, minha querida, após minha iniciação os processos de aprendizado têm sido diferentes.
É como se meu coração e minha mente ficassem mais atentos e comprometidos com as experiências que eu passo. É como se eu tivesse aprendido a valorizar mesmo cada coisa que acontece e force uma barra enorme pra conseguir tirar lições de todas elas.
Bem eu sempre fui o tipo que viaja um pouco tentando refletir sobre tudo na vida (#humanas..rss), mas acho que venho conseguindo fazer isso de forma produtiva agora.
Não, eu não estou falando de ser resignada diante de todas as situações. Muita coisa me deixa bem puta, com o perdão da palavra. E muita coisa eu acho injusta, não injustiça do destino, mas injustiças cometidas pelas pessoas. Mas eu tenho conseguido escolher o que vai me marcar das situações, definir o que eu quero fazer com elas.
É um processo longo e muito confuso: às vezes parece um otimismo meio idiota, às vezes parece que eu fico fugindo de uma realidade óbvia e nada romântica e às vezes parece que eu fico remoendo os fatos mais tempo do que deveria. Mas aos finais de tudo isso, sinto que venho conseguindo me mudar de verdade. Talvez seja o esforço mais real que já fiz na vida pra me tornar a mulher que realmente quero ser. Os resultados são lentos e talvez ninguém vá perceber mudanças significativas agora. Mas o que importa é que pra mim elas têm feito muito sentido.

Algo valioso que aconteceu nos últimos tempos foi repensar o meu conceito de fé.
Fé no sagrado, fé em mim mesma, fé nas pessoas.

Sobre a fé no sagrado venho entendo que não tem nada a ver com abraçar verdades e não questioná-las. Tem a ver com receber orientações e aprender a forma mais sincera de absorvê-las, o jeito mais honesto de acreditar nelas. Nós construímos nossa fé e isso não significa fazer invencionisses na tradição, mas absorvê-la através de experiências e sentimentos que façam sentido pra cada uma de nós. Têm sido maravilhoso perceber que existe uma conexão direta com o sagrado, que não depende de nada nem de ninguém além de mim e da espiritualidade.

Sobre a fé em mim basicamente entendi que ninguém sabe mais sobre mim do que eu mesma. Sim, conselhos são bons, carinho é bem-vindo, mas é preciso entender que por mais boa vontade que o outro tenha, nunca sentirá o que nós sentimos. É necessário ouvir as pessoas que amamos, mas é fundamental colocar um limite para que elas não passem a se achar no direito de nos dizer quem somos. Esse limite preserva as relações e ajuda a manter o respeito pela nossa essência. E se o mundo já deposita na gente milhares de julgamentos, devemos fazer o máximo para que a escolha da forma de como nos projetar nele seja um direito só nosso.
Aprendi revendo certas situações e principalmente lendo coisas antigas, que eu já me disse muitas das coisas que preciso saber e que eu já aprendi certas coisas, mas talvez tenha esquecido. Aprendi que eu tenho muito mais capacidade de seguir em frente e mais força do que eu pensava. Se eu posso dar um conselho nessa vida é: escreva! Registrar os pensamentos ajuda a retomar muitas questões e tem me ajudado a lembrar a mulher que sou em alguns momentos confusos. É como ir construindo um manual sobre si mesma, que mesmo incompleto ajuda a relembrar os consertos que já foram feitos e as potencialidades que já existem de fábrica.

Sobre a fé nas pessoas, bem, continuo achando que muita gente é ruim. Continuo tendo me magoado com muita gente. Continuo preferindo os animais a cada dia que passa. Mas também tenho aprendido que todas as pessoas devem ser olhadas no mínimo três ou quatro vezes. Pois a cada vez que a gente olha elas irão parecer diferentes. Isso significa que gente aparentemente perfeita vai mostrar defeitos e que gente que não gostamos pode se mostrar melhor do que esperávamos. Um processo que pode trazer boas surpresas e nos preparar um pouco melhor para as decepções. As pessoas são como livros de poesias: causam em cada um de nós uma sensação diferente. Podem nos confortar, nos representar, nos chocar, nos emocionar, nos alegrar ou nos fazer chorar. Podem trazer sentimentos diferentes em capítulos diferentes.
As pessoas têm sido agora o meu maior desafio, pois também me vejo enquanto pessoa e, honestamente, duvido muito de que um dia serei totalmente capaz de me controlar e não magoar ninguém. Duvido muito de que um dia serei apenas uma poesia doce, com jeito de brisa mansa e fresca.
Mas eu ainda consigo sentir uma quentura no coração diante de certas pessoas. E já que a decepção é algo que vai acontecer evitando ou não, eu tenho tido menos medo de pensar "Puxa, como eu gosto de fulana!", ou "Mas como cicrana é agradável!", ou até mesmo "Vou me esforçar para estar perto de beltrana!". Acho que vale mais apenas correr o risco de acertar e viver boas experiências do que ficar se prevenindo do inevitável.

Mas são processos, construções e eu não sei se daqui a um tempo voltarei te escrevendo algo totalmente diferente. Pode ser que não deem certo, pode ser que eu mude. Pode ser que eu encontre um caminho de me sentir ainda melhor, que eu certamente vou seguir.
Mas eu já não me preocupo tanto com a exatidão do que será e sim com o benefício do que está sendo.

Espero que esteja muitíssimo bem.
Feliz Ano Novo!

Obs: Desisti do meu pseudônimo, já passou muito tempo e eu não acho que ele seja capaz de me representar. Estou fazendo um sacrifício muito grande tentando descobrir quem sou para me esconder atrás de uma outra pessoa.

Abraços,

Monique