domingo, 10 de novembro de 2013

O homem que não sorria


Era uma vez um homem que não sorria pois tinha medo de não deixar os olhos bem abertos. Ele foi chamado de infeliz. Tinham pena dele, achavam-no triste, um coitado. Pensavam que ele não se divertia, não aproveitava, não vivia. De quando em quando o rechaçavam, o excluíam. Ninguém queria por perto alguém indiferente, alguém que não demonstrava alegria nem aprovação. Não tiravam fotos com ele e depois de um tempo, nem muito lhe olhavam.
Um dia, um dos poucos amigos lhe perguntou em uma visita a sua casa: “O que te fez infeliz ao ponto de nunca sorrir?”. Ele pensou. Olhou o amigo nos olhos e disse: “Eu sou feliz.”. O amigo não insistiu, já havia se acostumado há anos com ele, que embora triste, sempre tinha boas palavras, bons ouvidos e bons vinhos. Passaram-se anos e ele os viveu. Sem sorrir e de olhos bem abertos. Olhava nos olhos de quem o ignorava, ouvia com paciência quem o criticava, aconselhava quem o procurava. Via todos, via tudo e essa era sua fixação. No fim da vida acumulou à sua volta um número seleto de pessoas, mas que sem exceção gostavam dele. Mesmo sem terem recebido dele um único sorriso. Essas pessoas sentiam-se amadas por ele, acolhidas por ele, cuidadas e protegidas por ele. Mas não sabiam bem o porquê. Não acumulou dinheiro, na verdade não tinha muito tempo para pensar nessas amenidades. Escreveu coisas. Muitas coisas. Umas que foram lidas e outras que ninguém imagina. Uma delas foi especialmente lida por seu amigo, o mesmo que em ocasião já citada o questionava sobre a infelicidade.
O amigo um dia chegou ao portão e viu que não estava trancado. Passou o pequeno quintal e viu que não havia água nas plantas, chegou a porta da sala e percebeu que também estava aberta. Pressentiu o que tinha acontecido, mas não o que ia ver. A casa arrumada, coisas de eletricidade desligadas. Dentro do quarto, na cama, bem acomodado em seus travesseiros e lençóis o amigo sorria de olhos cerrados. E foi assim a primeira vez que todos o viram sorrir: em seu velório. E em meio a lágrimas e soluços sorriam por seu sorriso. Nesse momento o amigo leu aquela coisa escrita por ele: uma carta onde contava pela primeira vez o que sentia sobre sorrir. E foram docemente amargas suas palavras:

“Tanto me cobraram sorrisos que resolvi falar deles. Confundo-me com tantos sorrisos. Que não sei se são vazio, ou cheios de confusões. Que não sei se são de graça ou desgraça. Que não sei se são de consciência, ou de inconscientes. Que não sei se são necessários. E por não saber, não os faço. E também não os faço pois me irrita como me fecham as vistas. Podem dizer que isto é cisma. Mas estou certo de que vi muito mais coisas do que muita gente. E se biologicamente somos iguais, ignorando as com problema de vista, não vejo outro fator que cause isso, a não ser os sorrisos. E mais grave que isso é que vendo bem, eu pude notar que grande parte dos sorrisos são sem vontade, sem alegria e sem razão. Ou seja, esses loucos cerram os olhos negligentemente, só por convenção. E também, ao me ver feliz, entendi que o sorriso é figura, representação, satisfação ao outro. E decidi não fazer relatório da minha felicidade. Sim, pois confesso ser absurdamente feliz. Tenho amigos, tive saúde, sei muitas histórias, comi boas comidas, enfim, sou feliz. Então confesso-lhes algo que não acreditarão: sorrio. Mas sorrio ao deitar para dormir, pois aí o escuro do quarto já não mais me atrai, não corro o risco de perder visões. Ao contrário, sorrio ao deitar, exatamente para ajudar-me a cerrar os olhos e poder encontrar outra vez minhas alegrias mantendo seus motivos por perto, até o novo amanhecer.”

Os que estavam no velório depois da carta não sorriram, nem choraram. Pelo menos naquele dia fizeram questão de manter os olhos bem abertos.

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