domingo, 11 de janeiro de 2015

Cartas para Babi (1)

Rio de Janeiro, 11 de Janeiro de 2015.


Começo justificando o porquê de Babi, já que nunca te chamei por esse apelido: sempre li que os escritores famosos usavam pseudônimos e se correspondiam assim também. Não somos ainda escritoras famosas, mas um dia nós seremos e quem sabe quem vai ler essa carta, é preciso imponência.
Descobri recentemente que existem dois tipos diferentes de pessoas: as que têm objetivos e as que têm sonhos. Não acho nenhuma melhor do que a outra, cada um sabe o que lhe convém e o que lhe faz bem. Eu posso falar pelo segundo tipo apenas.
As pessoas que têm sonhos passam grandes dificuldades na vida, pois sonho, mesmo que compartilhado se sonha sozinho. O sonho é um não-sei-o-quê que fica dentro da gente igual uma bolinha de tênis. Às vezes ele fica parado, às vezes ele fica rolando de um lado pro outro devagar, às vezes ele quica descontrolado e bate em tudo que é parte de dentro do nosso corpo. Mas a maior verdade é que mesmo que a gente finja que desistiu dele, ele não sai de lá.
Já quis ser veterinária, bombeira, bailarina, executiva, professora. Sonhei essas coisas uma vez e de vez em quando elas aparecem num imaginar distraído. Se sonhou, está sonhado, o que se pode fazer é encontrar sonhos maiores e mais completos que vão deixar os outros descansarem em um cantinho da gente, tranquilamente, sem frustração. O problema é quando queremos parar de sonhar só por parar. Aí a vaca vai pro brejo. Porque aí os sonhos não ficam tranqüilos, ficam parados contra a vontade em um canto e começam a juntar uma poeira que dá alergia na gente. E o coração começa a fingir que não sonhou aquele sonho como remédio para essa alergia. E todo mundo sabe que remédio para alergia dá sono. E a alma com sono diminui o ritmo, distrai, não vai além.
Como eu já disse pessoas que sonham passam grandes dificuldades. E as outras pessoas são a maior delas. Existem as pessoas diretas que simplesmente dizem “você não conseguir” ou “isso é bobeira”, e dessas é mais fácil se defender. Existem as pessoas transversais aquelas que supostamente entendem seus sonhos, mas que usam uma série de argumentos racionais (ou não) para te convencer de que eles “não são possíveis”, “não são pé no chão”, “não funcionam na realidade” ou “não são pra gente como você”. Por fim, existem as pessoas invertidas, que são as que aparentemente apóiam seu sonho, mas não dão nenhum apoio para que você continue com ele, pelo contrário, disfarçadamente tentam ir te empurrando na direção contrária.
Entenda querida que não acho que algum dos casos que citei esteja ligado obrigatoriamente a más intenções. Acredito até mesmo que em via de regra são fruto da distração que envolve a preocupação entre pessoas que se gostam. Porque o gostar tem desses descaminhos, dessas curvas que podiam ser retas e que a gente paga pedágio sem saber porquê. O que eu digo é que a maioria das pessoas não vai apostar no seu sonho e que nenhuma delas vai sonhar com ou por você. Sonhar é sim uma tarefa individual. Mas não afaste-se delas, não de todas, a não ser que queira. Apenas entender que seus sonhos são só seus já lhe dará mais tranqüilidade para depender menos do apoio dos outros. Digo menos, porque não depender minimamente seria um grau de evolução demorado e até meio triste na minha opinião. Depender menos do apoio significa dizer um “não vou, tenho que estudar” sem medo de perder as amizades. Significa dizer um “não posso, preciso economizar” sem medo de perder o respeito”. Significa dizer “não gosto, obrigado” sem medo de perder uma suposta oportunidade. Sonhos exigem dedicação e coragem. E isso também ninguém poderá te ajudar a conseguir.
Entenda minha flor, que só mostro essa cara individual dos sonhos para que possamos pensar no bem do coletivo. Porque se todos puderem sonhar seus sonhos individuais dos seus jeitos poderão até pensar em construir sonhos coletivos (olha que incrível!). Só não podemos nos iludir achando que podemos passar aos coletivos antes. Os sonhos coletivos são aparentemente mais fáceis: divide-se tarefas, dores, tem-se o apoio ao menos de quem está “sonhando junto”. Mas lembre-se do que eu já disse: ninguém sonha igual e o sonho está dentre da gente. Um sonho coletivo não é então um sonho, mas um conjunto de pessoas sonhando sonhos que se parecem e que se complementam. E esses sonhos para se complementar precisam estar completos, não no sentido de acabados óbvio, mas no sentido de serem peças de quebra-cabeça bem desenhadas.
Portanto e somente, venho te dizer minha cara que você pode e deve permanecer entre as pessoas que sonham e que deve descobrir sozinha todas essas coisas que eu falei. Como disse, ninguém pode fazer por você, muito menos eu. Proponho então que sonhemos nossos sonhos, não juntas, mas lado a lado. E que tenhamos muitíssimo cuidado para que o mundo não nos distraia e nos torne diretas, transversais e nem invertidas. Sonhemos intensamente, completamente, descontroladamente. Mas sempre sonhemos, sempre.

P.s.: Você nunca me disse um pseudônimo, portanto improvisei um, mas me avise se o manterá ou não que mudo nas próximas.

Atenciosamente,

Edinéia Silva.