sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O outro lado do que Seu Jorge disse

Sinceramente, acho que precisamos pensar que o Seu Jorge falou o que grande parte das pessoas pensa. Não adianta NADA ficar só valorizando o sentimento de pertencimento à favela, glamurizando a pobreza, se ela hoje ainda cumpre o papel de segregação.

A organização da favela como instrumento para o fortalecimento de identidade cultural e empoderamento é muito importante, claro. Esse espaço como meio de fomento a memória do povo preto e a resistência é fundamental.

Mas o que nós, estudiosos e militantes (infelizmente me incluo), não podemos ignorar é que as pessoas que são oprimidas e violentadas nesses espaços têm sim a vontade de sair dele. E como seres humanos têm o direito de ter essa vontade. Ninguém tem que gostar de ser saco de pancada. Ninguém tem que viver sendo humilhado, ameaçado, passando dificuldade, tendo problemas com saneamento e ignorar tudo isso pensando no bem maior. Para a gente que está em faculdade, que está em coletivo, em movimento social, que anda para lá e para cá com roupinha estampada e falando difícil é fácil querer que as pessoas continuem na favela felizes, para gente poder ter sobre o que escrever e falar. E me desculpem pro capital também. Mas resistência e luta por direito é entender que as pessoas têm direito a resistir e lutar com seus direitos respeitados, com seu direito à vida garantido.

Eu não apoio as declarações do Seu Jorge. Mas acho ingenuidade se virar contra um cara preto como se só por ter dinheiro (agora) o discurso dele não fosse produto dessa sociedade racista que se apropria da gente contra a gente mesmo. Nós falamos tanto de racismo, de embranquecimento, de construção do imaginário social, do mito do racismo reverso, mas parece que achamos que nós negros temos uma proteção natural contra tudo isso. Nós negros, mesmo marginalizados, perseguidos e criminalizados fazemos parte dessa sociedade e consumimos e reproduzimos os pensamentos dela sim. E lembrar que nós, pelas violências que nos são impostas não temos acesso a informação e a certos espaços é fundamental.

Me preocupa muito um segurança negro que acha que o jovem negro é bandido só de olhar, mas me preocupa muitíssimo também a pessoa negra que quer julgar esse segurança como um “traidor”, como quem renega a raça, ignorando que o fato que o leva a fazer isso é uma construção racista da sociedade e é uma violência que ele faz com ele mesmo.

Repito e reforço: não sou a favor das declarações do Seu Jorge. Mas também não sou a favor de programas de TV que dizem que a favela é feliz e que todo mundo deve amar viver lá e continuar lá como se nada estivesse acontecendo, maquiando toda a estratégia de exploração que isso ainda alimenta.

Só acho que a gente pode sim criticar a fala do Seu Jorge, contextualizando isso dentro da realidade do racismo, do machismo, da organização geográfica (segregacionista e racista) e da luta de classes (pra quem gosta, por que não?). Mas dizer “quem não ajuda que não atrapalhe” é, em primeiro lugar, prepotência de achar que pode lutar sozinho com suas verdades e estratégias. E em segundo lugar fingir que não sabe que o buraco é muito, mas muito mais embaixo.

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